terça-feira, 1 de junho de 2010



01 de junho de 2010 | N° 16353
MOACYR SCLIAR


Vacina antigripal: as controvérsias

Na última sexta-feira, uma senhora adentrou o Centro Administrativo do Estado, na Praia de Belas, e lá fez um escarcéu. Por motivos, aliás, ponderáveis: ela queria se vacinar contra a gripe e estava faltando vacina nos postos a que foi.

Faltar vacina certamente é um problema, ainda que, no caso, explicável pelas dificuldades de produção. Mas esta notícia também tem um lado bom, aliás muito bom: mostra que as pessoas querem realmente se vacinar.

Quando a gente lembra que em 1904 houve uma sangrenta revolta no Rio de Janeiro porque as pessoas não queriam se vacinar contra a varíola, nós nos damos conta de que, à semelhança do que acontece em numerosos setores da sociedade brasileira, as coisas estão indiscutivelmente melhorando.

Vacina é uma coisa que mexe com a imaginação de muitas pessoas. O que não é de admirar. Vacinas são feitas com micróbios inativados ou com partes de micróbios, e os micróbios são os nossos inimigos invisíveis. A ideia de introduzi-los no corpo desencadeia em muitos um grau de paranoia.

No caso da vacina anti-variólica, que era feita com líquido extraído de lesões da varíola da vaca (capaz de imunizar contra a doença humana), espalhou-se o boato de que os vacinados ficariam com cara de bezerro. E, quando foi lançada, a própria vacina antigripal foi recusada por idosos, temerosos de que ela pudesse afetar sua potência sexual.

Agora: lendas tardam a desaparecer. Atualmente contam com a ajuda de um poderoso instrumento de divulgação, a internet. Perdi a conta do número de mensagens que recebi, denunciando a vacina como instrumento de uma conspiração unindo indústrias, governos e organismos internacionais.

Uma das denunciantes é médica e foi diretora de saúde em uma região da Finlândia, a Dra. Rauni-Leena Luukanen-Kilde. Ela fala de uma conspiração das “elites” para eliminar um terço da população mundial através dos telefones celulares (que causariam câncer) e também através da vacina antigripal.

A sra. Rauni Kilde, que vive na Noruega, também é uma entusiasta dos óvnis, e escreveu um livro intitulado Os Meus cem Encontros com Extraterrestres. Ao contrário dos celulares e das vacinas, os ETs teriam salvo sua vida nada menos que três vezes.

Em muitas pessoas, as vacinas podem produzir efeitos colaterais, dor no local da injeção, mal-estar, febre. Mas não causa a gripe propriamente dita, porque é feita não com vírus completos, mas com partes de vírus; e nem resfriado, que aliás é uma doença diferente, causada por outro tipo de micróbio. Além disso, não dá para comparar esses transtornos, relativamente pequenos, com os riscos da gripe propriamente dita.

Para não irmos longe, aqui em Porto Alegre, no ano de 1918, a gripe espanhola matou cerca de 4 mil pessoas – e a Capital teria, naquela época, por volta de 100 mil habitantes. A população sabe disso. E o resultado (tirando as limitações de estoque) foi um expressivo êxito da saúde pública brasileira.

Já na semana passada, todos os trabalhadores da saúde e as crianças de seis meses a dois anos incompletos do país haviam sido vacinados; no total, mais de 100 milhões de brasileiros receberão o imunizante.

E isto resulta numa barreira de contenção do vírus. Até meados de maio, haviam sido registrados 540 casos de gripe suína, com 64 óbitos. Comparem com os números da gripe espanhola e vocês concordarão comigo: apesar de tudo, as notícias são boas.

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