terça-feira, 15 de junho de 2010



15 de junho de 2010 | N° 16367
CLÁUDIO MORENO


A grande viagem

Cada vez fica mais fácil deslocar-se de um ponto a outro do globo. No mundo antigo, mesmo a viagem mais curta transformava-se numa aventura de contornos imprevisíveis; hoje, ao contrário, visitamos com facilidade os lugares mais distantes, já informados de tudo que vamos encontrar – o clima, a comida, o caráter dos nativos e as coisas que devemos fotografar.

A não ser pelo capricho de algum vulcão intrometido, tudo está previsto – menos, é claro, o que vamos descobrir sobre nós mesmos.

O pior é que podemos partir sem partir. Há os que percorrem longos trajetos de ida e de volta sem acrescentar uma gota à experiência ou ao conhecimento com que saíram de casa; para eles vale o comentário de Sócrates, quando foram lhe dizer que alguém, apesar das inúmeras viagens que fazia, não tinha melhorado em nada: “Nem poderia, pois ele sempre leva a si mesmo consigo”.

Não se trata, é claro – como se fosse possível! – de deixar para trás aquilo que somos, assim como deixamos com o vizinho nosso gato ou nossa samambaia, mas de abrandar nossos preconceitos, a fim de enxergar com um jeito novo aquilo que for oferecido a nossos olhos.

Esta é a verdadeira arte de viajar – abrir-se para o mundo, adotar uma atitude atenta e receptiva para o espetáculo do universo. Os pensadores gregos, por exemplo, visitavam o Egito sempre dispostos a aprender; o contato com uma civilização muito mais antiga do que a sua constituía, para eles, uma salutar lição de humildade e modéstia, virtudes que consideravam indispensáveis para atingir a sabedoria.

Foi com esse mesmo espírito que os jovens aristocratas britânicos, do século 18 em diante, passaram a completar sua educação com uma peregrinação cultural através do continente europeu – especialmente da Itália, por causa do legado clássico e renascentista. Dependendo das posses e do tempo disponíveis, esta viagem – significativamente denominada de “Grand Tour” – durava de um a vários anos e era vista como um fator indispensável para o crescimento interior dos jovens cavalheiros, futuros dirigentes do império que dominava o planeta.

Nunca sabemos o que a viagem vai fazer de nós. Ela pode formar, pode transformar, pode apontar um caminho que não tínhamos percebido, como fez com Zênon, filósofo estoico. Aos 30 anos, trabalhava com o pai, transportando mercadorias entre a Ásia e a Grécia, numa rotina deprimente.

Um dia, seu navio naufragou já perto de Atenas; nadando, Zênon conseguiu chegar à cidade e subitamente se viu numa livraria, a folhear o livro que Xenofonte escreveu sobre a vida de Sócrates.

Encantado, exclamou: “Como eu gostaria de conhecer um homem assim!”. “Pois então segue aquele lá”, disse o livreiro, apontando um filósofo que passava por ali. Esse encontro mudou para sempre a vida de Zênon, que costumava dizer – e não estava brincando: “Tive uma péssima travessia, mas um excelente naufrágio”.

Ótima terça-feira para você. Aproveite o dia

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