quarta-feira, 16 de junho de 2010



16 de junho de 2010 | N° 16368
L. F. VERISSIMO


Com paciência

Jean-Paul Sartre disse que o inferno são os outros. Adendo: o inferno são os outros soprando vuvuzelas. Havia uma certa esperança de que o frio dificultasse a embocadura e silenciasse os corneteiros. Não aconteceu. Fazia um frio de tontear pinguim, mas as vuvuzelas pareciam ter aumentado de volume, ontem, no Ellis Park.

As vuvuzelas atrapalham o jogo? A bola diferente tem atrapalhado, é o que dizem os jogadores. O Green não acusou a bola de tê-lo traído no frango mais evidente da Copa até agora, talvez por cavalheirismo, mas ninguém está acertando chute a gol de bola parada. A bola não desce, a bola só sobe.

Nem a bola, nem o frio, nem as vuvuzelas incomodaram a Seleção Brasileira, que enfrentou o enigma proposto pelo adversário – como encontrar um caminho para o gol por entre 10 coreanos que pareciam 20 – acima de tudo com paciência. E, no segundo tempo, a Seleção perdeu a paciência no bom sentido.

Se, no primeiro tempo, tinha jogado com ponderação, no segundo tempo jogou com pressa. Se, no primeiro tempo, o Maicon nunca fez a sua jogada de maior sucesso no Inter de Milão, aquela entrada pelo lado da área, no segundo tempo fez a jogada, que resultou no gol do alívio.

No fim, as melhores coisas da noite foram o Robinho e seu passe para o gol do Elano e a seriedade e o empenho da defesa mesmo quando o jogo parecia tranquilamente decidido. E cresce a suspeita de que o sonho secreto do Lúcio, que ontem se mandou para a frente mais do que costuma fazer, é ser o goleador da Copa.

A Seleção ganhou a sobremesa antes de jantar a Coreia do Norte. O empate dos portugueses com a Costa do Marfim foi doce, foi um pastel de nata. Saímos na frente. O único problema é que, se antes nos preocupávamos com Portugal, agora temos de nos preocupar com a Costa do Marfim.

Hoje é feriado na África do Sul. A decisão do governo da época do apartheid de tornar compulsório o ensino de metade do currículo escolar em africâner e a outra metade em inglês a crianças negras que até uma certa idade estudavam na sua língua tribal provocou uma série de protestos que culminaram com a polícia disparando contra manifestantes em Soweto, matando um líder estudantil e um garoto chamado Hector Pieterson.

Fotos dos mortos correram mundo e a revolta internacional despertada, além do aumento das manifestações entre os negros, marcaram o começo do fim do apartheid. Hector Pieterson e o líder estudantil foram assassinados no dia 16 de junho de 1976. Uma vuvuzelada em honra deles se justifica.

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