segunda-feira, 21 de junho de 2010



21 de junho de 2010 | N° 16373
DAVID COIMBRA


Abate de elefantes

Às 21h37min de ontem, horário de Joanesburgo, a torcida brasileira fez-se ouvir pela primeira vez, nesta Copa da África. Não houve corneta de plástico que abafasse o coro de:

– Lu-ís Fa-bi-a-no! Lu-ís Fa-bi-a-no!

Pudera. Dois minutos antes, ele, Luís Fabiano, marcara o segundo gol dos 3 a 1 que o Brasil aplicou na Costa da Marfim, no Soccer City quase lotado. Não foi um gol qualquer.

– Foi talvez o mais bonito da minha carreira – especulou depois o centroavante, chamado pelos sempre entusiasmados espanhóis de “Fabuloso”.

Lindo gol, sim, mas que poderia ter sido anulado pelo árbitro francês Stephane Lannoy. Porque, para marcá-lo, Luís Fabiano teve não apenas de dar dois “balõezinhos” nos zagueiros, mas dominar a bola com a mão outras duas vezes, uma para cada drible.

– É muito difícil de marcar Luís Fabiano, ainda mais quando ele está livre para usar as mãos – brincou o treinador derrotado Sven-Goran Eriksson, logo que terminou a partida.

O próprio “Fabuloso” admitiu ter, no primeiro balãozinho, encostado a mão e, no segundo, o braço na bola.

– Mas não foi intencional nenhuma vez – jurou.

Depois de validar o gol, o árbitro aproximou-se dele e, sorrindo, bateu com a mão direita no próprio braço esquerdo, falando algo, talvez perguntando se Luís Fabiano havia mesmo cometido a infração. O jogador balançou a cabeça, em negativa. Durante a coletiva, um repórter quis saber se, naquele breve diálogo, o árbitro havia referido ao toque. Luís Fabiano desconversou:

– Eu não entendi nada do que ele falou...

De qualquer forma, não foi só por esse gol que a torcida ovacionou o centroavante. Antes disso ele já fizera a diferença numa partida pedregosa. Os jogadores ainda estavam no aquecimento e era possível notar a concentração dos adversários. Faltava meia hora para o jogo começar e o astro da Costa do Marfim, o centroavante Didier Drogba, reuniu os companheiros de time num canto do gramado para falar por alguns minutos.

Falou, gesticulou muito, lembrou Zinedine Zidane, que fez o mesmo na Copa da Alemanha, minutos antes de eliminar o Brasil, em Frankfurt.

Zidane estava no estádio ontem, assistindo ao jogo ao lado de Figo, num confortável camarote. Zidane e Drogba falam francês. Zidane era a estrela e o capitão da França. Drogba é a estrela e o capitão da Costa do Marfim. Os dois fizeram gestos parecidos antes de enfrentar o mesmo adversário.

Eram muitas coincidências.

Mas acabaram sendo tão somente isso: coincidências.

Drogba até marcou o único gol da Costa do Marfim, mas jogou mal, emaranhou-se na marcação da quase perfeita dupla de zaga do Brasil, Lúcio e Juan.

Foi exatamente esse setor, a zaga, o que de melhor a Seleção apresentou, até Luís Fabiano começar seu show. No sábado, Dunga havia dito que vê beleza em um futebol bem jogado taticamente. Deve ter gostado. A defesa do Brasil fez um jogo lindo. Juan era um Beckenbauer de fluência, de categoria no desarme, de posicionamento. Lúcio, um rinoceronte de energia em solo africano.

E os laterais, Maicon e Michel Bastos, se não foram exuberantes como na estreia, mostraram disciplina militar. Quando um ia o outro ficava, precisos, infalíveis, coordenados como se dançassem a waca waca com Shakira.

Graças à solidez da sua defesa, o Brasil pôde jogar com paciência contra um adversário bem abotoado atrás, que só mantinha Drogba no ataque. O plano, segundo confessou o próprio Dunga, era ter cautela e esperar até que o talento do jogador brasileiro resolvesse o caso. Funcionou. Aos 25 minutos, Kaká venceu uma dividida na meia-lua e passou para Luís Fabiano, que, ao lado da pequena área, chutou forte e alto: 1 a 0.

Agora a partida estava posta como queria a Seleção de Dunga. O Brasil não precisava se afobar para buscar resultado. Bastava esperar pelos espaços. Os espaços viriam. Vieram. No segundo tempo, aos cinco minutos, Luís Fabiano marcou o seu belo gol com mão e chapéu. Aos sete, a torcida gritou seu nome. Aos oito, os jogadores da Costa do Marfim começaram a bater.

Uma partida de Copa do Mundo de repente se transformou em jogo da Vila Caiu do Céu. Os negros altos, fortes e espadaúdos da Costa do Marfim desferiam pontapés nos branquicelas e mulatos inzoneiros do Brasil. Ainda assim, o Brasil jogou com desenvoltura, tocou a bola, chegou a dar olé. Aos 17, Kaká foi à linha de fundo pela esquerda e cruzou para Elano fazer 3 a 0. Na comemoração, Elano mostrou para as câmeras as caneleiras em que estavam impressos os nomes de suas filhas: Maria Tereza na direita, Maria Clara na esquerda.

Quatro minutos depois, Tiote acertou as travas da chuteira na caneleira de Maria Tereza. Elano saiu de campo carregado. Aos 34, Drogba descontou. Mas a Costa do Marfim seguiu batendo.

A ponto de o angelical Kaká se irritar, levar dois cartões amarelos e ser expulso, aos 43 minutos. A essa altura, Zidane e Figo já tinham se retirado, a Seleção Brasileira já estava classificada e o técnico da Costa do Marfim suspirava, conformado. Elegante, ele reconheceu:

– Os brasileiros foram quase perfeitos. Eles têm um time muito forte. Eles estão de parabéns.

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