Aqui voces encontrarão muitas figuras construídas em Fireworks, Flash MX, Swift 3D e outros aplicativos. Encontrarão, também, muitas crônicas de jornais diários, como as do Veríssimo, Martha Medeiros, Paulo Coelho, e de revistas semanais, como as da Veja, Isto É e Época. Espero que ele seja útil a você de alguma maneira, pois esta é uma das razões fundamentais dele existir.
quarta-feira, 16 de junho de 2010
16 de junho de 2010 | N° 16368
JOSÉ PEDRO GOULART
O som e o cuspe
Há mais coisas no ar do que o som do enxame de vuvuzelas. Especulo, mesmo estando a milhares de quilômetros, se aquele sopro monótono, lamentoso e principalmente estridente não esconde outras intenções.
Milles Davis, como se sabe, um precursor da vuvuzela, muitas vezes dava as costas para uma plateia repleta de brancos. Tocava e ao mesmo tempo protestava contra o racismo perene. E isso só aumentou a mística do sujeito que fazia um tipo de blue, o estilo musical produzido por almas melancólicas.
Talvez a corneta plástica barulhenta dos torcedores africanos seja um lamento. Algo que vem sendo afinado há anos, uma grande orquestra de voluntários caprichosos e concatenados: quando um para, outro segue. Nunca antes na história da África tantos conseguiram se manifestar tanto por uma mesma causa : “olhem, ouçam, estamos aqui!”.
E nunca antes houve um evento tão global, imagens tão bem captadas, tanta tecnologia avançada para divulgar uma ação coletiva. E como todo evento assim, tudo deveria parecer perfeito, limpo, higiênico.
Só esqueceram de avisar os russos. No caso, os que transformam sopro em uivo. E por que uiva a África? Será pela miséria, subnutrição, analfabetismo, ou baixa expectativa de vida? Campeã de tudo.
Há também o cuspe. Mas este é capítulo extra. Milhares de vuvuzelas ao mesmo tempo! Eis a diferença do cuspe e da baba: a baba é mais ralinha, já o cuspe tem mais bolinha – ensinou o Tangos e Tragédias. De modo que além da emissão sonora, os torcedores africanos expandem um fluido com o DNA da genuína ancestralidade humana, direto da Mama África.
E tem um quê de Milles Davis, no sentido “Eu cuspo em vocês, branquelos”, ou se quisermos ver pela poesia “vamos espalhar o calor úmido e borbulhante da vida de quem chegou antes, ô cabeções”.
Disse o bardo que “a vida não passa de um conto, contada por um idiota, cheia de som e cuspe, significando nada”. Tá bem, adaptei. De qualquer modo, seja pelo cuspe, mas muito mais pelo barulho, a Fifa tem recebido reclamações, de tudo quanto é parte há quem queira silenciar os berrantes africanos.
Mas talvez (permita leitor que este reles escriba divague), no meio de tantos interesses coorporativos, entre placas de patrocínio, futebol de resultados e bolas plastificadas, o som furioso das vuvuzelas seja o que de mais autêntico restou ao último dos torcedores românticos.
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