sexta-feira, 18 de junho de 2010



18 de junho de 2010 | N° 16370
L. F. VERISSIMO



Tentar esquecer

Ele diz que se chama Bafana, mas deve ser brincadeira. É um simpático motorista de táxi que tem nos levado algumas vezes até a Nelson Mandela Square, ligada ao shopping center mais próximo do hotel. No outro dia ele nos disse que admira muito o Mandela e, principalmente, sua mensagem de reconciliação.

O que o Mandela nos pede, disse o Bafana, é tentar esquecer. A relativa paz social que se vê por aqui (pelo menos na nossa limitada experiência, sempre levando em conta que os shopping centers de todo o mundo formam uma só cidade, com sua própria cultura e sua própria arquitetura, que pouco tem a ver com a realidade lá fora) depende da disposição dos negros de esquecer os anos de discriminação oficial e violência. Ou tentar esquecer.

Não deve ser fácil. Imagino que a coincidência da injustiça cometida contra o time da África do Sul no jogo contra o Uruguai, quando o juiz deu aquele pênalti do goleiro e o expulsou (o lance começou com um uruguaio impedido, e o pênalti foi discutível) justamente no dia em que se lembrava o levante e o massacre de Soweto em 1976, não passou despercebida.

Não foi o juiz Massimo Busacca, suíço e extremamente branco, que derrotou os africanos, claro, foi o Forlán. Mas a injustiça evocativa de outros tempos e a coincidência existiram. Dizem que o conflito mais potencialmente explosivo na África do Sul hoje não é entre os brancos irreconciliáveis e os negros. É entre os negros irreconciliáveis e os negros que tentam esquecer. Por mais difícil que seja.

O pior da derrota da Nigéria para a Grécia, ontem, é que praticamente tira da Copa uma das suas melhores figuras, o goleiro Vincent Enyeama, que já tinha brilhado contra a Argentina e ontem brilhou de novo – e só não segurou o empate para o seu time porque entrou para a confraria dos traídos pela bola esquisita, no segundo gol dos gregos.

Antes a Argentina, com seus baixinhos elétricos e seu centroavante decisivo, Gonzalo Higuaín, tinham feito quatro na Coreia do Sul (três do Higuaín) e a melhor apresentação de um time nesta Copa depois da estreia da Alemanha. Duro vai ser aguentar o Maradona triunfante, se continuar deste jeito.

Você deve estar notando, aí, a qualidade da cobertura dos jogos da Copa pela TV daqui.

Clara, ágil e dramática, com sua ênfase em closes dos jogadores e uso cinematográfico da câmera lenta. Grande estilo.

Depois de Brasil x Coreia do Norte, escrevi que os assuntos mais comentados aqui tinham sido o frio, o casacão do Dunga e os gols do Maicon e do Robinho. O segundo gol do Brasil não foi do Robinho, que deu o passe. Foi do Elano. É que eu ainda estava com o cérebro congelado.

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