sexta-feira, 11 de junho de 2010



11 de junho de 2010 | N° 16363
DAVID COIMBRA


Bem-vindo à Capital do Futebol

Joanesburgo não foi sempre Joanesburgo, mas foi sempre a cidade do ouro. Seus antigos nomes, Gauteng e Egoli, significavam exatamente isso: Lugar do Ouro. Em busca do ouro, os homens escavaram no peito da cidade a mina mais profunda do planeta, a Western Deep, com o veio principal deitado a 3.777 metros abaixo da superfície. Para o ouro e pelo ouro viveu Joanesburgo.

Mas agora não mais.

Agora Joanesburgo é a Capital Mundial do Futebol.

A partir do instante em que o pé de um jogador da África do Sul ou do México tocar na bola pela primeira vez na partida entre as duas seleções, hoje à tarde, no Soccer City, começará a Copa de 2010 e uma nova fase para todo o continente.

Esse sentimento podia ser percebido com pulsante plenitude ontem na cidade.

Em toda a cidade. Mas não da mesma forma. Nos bairros nobres, alguns deles hospedando seleções, como a do Brasil, que descansa em monástica reclusão em Randburg, nesses bairros requintados as ruas foram decoradas com cartazes saudando os estrangeiros ou incentivando os Bafana Bafana, nesses bairros veem-se vendedores ambulantes (todos eles negros) oferecendo bandeiras e bugigangas de cores variadas (esta é a “nação do arco-íris”), mas nesses bairros as calçadas estão sempre vazias, não se vê ninguém caminhando, as pessoas se homiziam em suas casas de muros altíssimos, encimados por arame farpado ou cercas elétricas.

Há medo nesses belos bairros de Joanesburgo, embora se note também orgulho pelo país ser sede da Copa.

Nos bairros pobres é diferente. O que pode ser constatado sem nem precisar se deslocar até o mítico Soweto da resistência negra dos tempos do apartheid. Um passeio pelo Centro basta para impressionar o visitante, sobretudo se o visitante for branco. Você pode rodar 45 minutos de carro pelo Centro sem ver uma única pessoa branca. No Centro, todos são negros.

E no Centro, ao contrário do que acontece nos bairros nobres, homens, mulheres e crianças circulam pelas ruas. Ouve-se a voz das pessoas, no Centro; ouve-se o som dos magazines baratos anunciando liquidações através de alto-falantes; ouve-se o ritmo da música africana que se evola de dentro das lojinhas que vendem de tudo, brinquedos, vestidos a 20 rands (R$ 5), bananas, doces, panelas e, é claro, vuvuzelas.

O som das vuvuzelas ecoa pelas esquinas do Centro, a todo momento surge um africano soprando uma vuvuzela, eles adoram soprar uma vuvuzela. Porque esse som de abelha gigante é, para os sul-africanos, o som do futebol.

Os sul-africanos estão possuídos pelo espírito da Copa do Mundo.

Seja pela decoração colorida de Randburg, seja pela euforia ruidosa do centro de Joanesburgo, os sul-africanos sabem que a Copa de 2010 será um marco para eles. Sabem que o mundo está olhando para o seu país e para o seu continente, julgando se eles serão capazes de organizar um evento de tal magnitude. Não é à toa que a primeira pergunta que um sul-africano faz, quando encontra um estrangeiro, é:

– Você está gostando daqui?

Os africanos querem que o mundo goste da África. Os sul-africanos querem que o mundo goste da África do Sul. E os 4 milhões de habitantes de Joanesburgo querem que a cidade, pelo menos por um mês, não seja mais a Cidade do Ouro. Querem que seja a Cidade do Futebol.

O sumiço do Serginho

Janusch Audra (diz-se Ianusch Oldra) o dono da pousada onde estamos, faz às vezes de nosso motorista. Na hora de voltarmos, entramos todos na van, menos o Serginho Boaz. Janusch ficou aflito, saiu da caminhonete, esticou o pescoço, coçou os cabelos brancos. Onde estava o Serginho? Um dos gaiatos da equipe se aproveitou da situação e recomendou a ele que, quando enfim avistasse o Serginho, devia gritar bem alto, como é costume no Brasil:

– Serginho foi fazer cocô!

Janusch obedeceu de pronto. Assim que viu o Serginho, berrou, dobrando as vogais com o sotaque:

– Serginho foi fazer cocô! Serginho foi fazer cocô!

Os jornalistas no entorno caíram na gargalhada. O Serginho, impávido, sentou-se na van, fitou o horizonte e perguntou:

– Vamos?
Não afaste de mim este cálice – I

O sul-africano é um povo orgulhoso de seus vinhos. É um diferencial. Os povos que produzem vinho pertencem a uma casta especial. Bebe-se vinho, aqui, com quase o mesmo interesse com que se bebe na França, talvez.

Exemplo: o dono da nossa pousada, Janusch Audra. Polonês, o homem está radicado na África do Sul há meia vida e, tinha que ver, é a cara do Wianey Carlet.

Bom. Todas as noites, o Wianey africano-polonês vai até o bar do hotel, onde em geral estamos reunidos, e nos serve um tinto. Enquanto enche os cálices, discorre sobre o vinho. Vê-se que o faz com a intenção de ressaltar a produção local, vê-se que ele aprecia e conhece o vinho da África do Sul. O que, de certa forma, nos dá uma lição: podíamos nos empolgar mais com o vinho da Serra Gaúcha.

Não afaste de mim este cálice – II

Dos vinhos que o Wianey polonês nos serviu, gostei em especial de um shiraz chamado Nederburg Baronne. Diz o nosso Wianey que o Carbernet Sauvignon também é supimpa. Vou experimentar e depois conto.

Provei, também, um que conheço de Porto Alegre. Chama-se Raka. É feito perto da Cidade do Cabo, como a maioria dos vinhos sul-africanos. O produtor do Raka é pescador, adora o mar e colocou esse nome no vinho em homenagem ao seu barco preferido. Não é difícil de achar, procure nas prateleiras: no rótulo há um Netuno bebendo água de uma concha. Vale a pena. É um tinto delicioso.

Ficou muito para a última hora

O dia da abertura da Copa chegou, e ainda há obras em andamento em Joanesburgo. Em uma grande avenida nas proximidades do Soccer City, operários instalam placas de grama no canteiro central; em outra mais adiante, operários fazem obras no sistema de drenagem; e ali, numa rua vicinal, operários assestam as lajes das calçadas.

Muito já foi acabado, claro, mas tem aparência de ter sido acabado às pressas. No caminho para o aeroporto, as árvores plantadas recentemente ainda estão com parte dos troncos cingida por plásticos de proteção, e a terra em que se infiltram suas raízes está visivelmente revolvida.

Esse é o drama dos países do Terceiro Mundo, como a África do Sul e o Brasil. São países que, por mais que se faça, nunca ficam prontos.

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