segunda-feira, 28 de junho de 2010



28 de junho de 2010 | N° 16380
DAVID COIMBRA


A moça que veio de Malawi

Miranda é de Malawi. Ela e as outras duas camareiras da pousada que nos hospeda em Joburg. Converso mais com Miranda por ser ela quem cuida do meu quarto. Mostrei-lhe uma foto do meu Pocolino, que está fazendo serelepices aí em Porto Alegre. Ela fez uó:

– Uóóó...

No mundo inteiro mulheres de todas as raças, cores e crenças apitam quando veem criancinhas.

Contou-me, Miranda, que tem uma filha de sete anos. Perguntei onde andava a menina. Miranda respondeu, e em meio à frase percebi um leve engasgo, que sua pequena ficara em Malawi com os avós. Foi o tal leve engasgo que me levou à pergunta seguinte:

– Há quanto tempo você não a vê?

Uma luz de tristeza dançou nos olhos negros de Miranda antes de ela sussurrar:

– Dois anos...

Não fiquei menos saudoso do meu filhinho. Fiquei mais compassivo por Miranda.


As crianças de Madonna

O Malawi de Miranda é um dos países mais pobres da África, o que significa dizer que é um dos países mais pobres do mundo.

Você já ouviu falar de Malawi: Madonna esteve lá para adotar duas crianças, lembra? O governo de Malawi não queria permitir as adoções por algum motivo, mas Madonna conseguiu vencer a burocracia estatal. Não há nada que Madonna não consiga.


O Japão da África

Malawi tem esse nome por causa de um grande lago à beira do qual se esparrama o país: o Lago (obviamente) Malawi. O doutor Livingstone foi o primeiro homem branco a pisar lá. Era o que o doutor Livingstone fazia na África: descobria lugares inóspitos, travava amizade com os nativos, plantava no chão duro uma capela e os convencia a adotar o cristianismo. Teve sucesso em Malawi, o doutor Livingstone.

A língua que se fala em Malawi é o chinyanja. Em chinyanja, “malawi” significa “nascer do sol”, porque é de seu vasto lago que o sol se ergue todos os dias.

O país do sol nascente, portanto. Malawi é o Japão da África.

Como diria Zapata

A história de Miranda é a história de milhões. Não há emprego em tantos paupérrimos países do continente, então as pessoas emigram para onde pode haver. Esse lugar, há uns 15 ou 20 anos, era o Zimbábue, a antiga Rodésia do inglês Cecil Rhodes. Miranda, inclusive, orgulha-se de ter estudado no Zimbábue, onde havia educação não apenas gratuita, mas de excelência.

Ao ser empossado como presidente, em 1980, Robert Mugabe manteve os investimentos em educação, o país se desenvolveu, era uma pérola africana. Mas lentamente, ou talvez nem tão lentamente assim, Mugabe transformou-se em um tirano implacável. Destruiu o próprio país. Perguntei a um zimbabuano o que havia acontecido a Mugabe. Ele sorriu um sorriso triste e respondeu com uma única palavra:

– Poder...

Como disse um dia Emiliano Zapata, o poder corrompe.

Corrompido Mugabe, arrasado o Zimbábue, o polo de empregos abaixo do Saara, agora, é quase que só a África do Sul. Africanos de todos os cantos convergem todos os dias para o vértice do continente. O que cria alguns problemas para os sul-africanos, verdade, mas também traz possibilidades. A África do Sul está mudando, essa gente toda está se misturando, transformando esse país em algo novo no mundo. Algo parecido... com o Brasil.


No continente africano, um caldeirão de línguas e povos

No Brasil, as raças se fundiram na poeira dos séculos e continuam se fundindo. Mas no Brasil houve sempre uma única língua a facilitar esse processo. Na África do Sul, não. Na África do Sul as línguas são muitas, 11 oficiais, e mais outras tantas. O inglês é a quinta, mas como o país está se abrindo cada vez mais para o Exterior, logo ganhará mais importância.

Na África do Sul você quase pode ver (ou ouvir) as línguas se miscigenando. O próprio africâner, a língua dos colonizadores brancos, é uma mistura de holandês com alemão e inglês. O hino do país, o Nkosi Sikelele iAfrika, é cantado em quatro línguas. Volta e meia pergunto aos sul-africanos se eles entendem tudo o que é cantado no hino. Eles não entendem. Mas cantam. Sabem a letra toda.

No dia a dia, os sul-africanos vão fundindo as línguas. Vez em quando, um branco exclama:

– Aikona!

Quer dizer “de jeito nenhum”, e é em zulu.

Um branco também pode mandar:

– Hamba!

Que é “cai fora”.

E ele chama o amigo de “meu china”. Diz-se “tchaina”.

– Rélou, mai tchaina!

Nas minas já se fala uma língua que são todas juntas. É o “fanagalo”. O fanagalo não é apenas um cozido das línguas sul-africanas. Neste panelão estão várias outras línguas do continente, porque são muitos os estrangeiros que trabalham debaixo do solo sul-africano, tirando de lá o ouro, a prata, a platina, o carvão.

Essa mistura não vai parar jamais, porque a África é muito variada. Quer ver? Os tanzanianos, sabe quantas línguas eles falam? Cento e vinte. Há 10 mil povos diferentes na África. Dez mil! Dizem que os europeus dividiram a África em 50 países durante a famosa Conferência de Berlim, no século 19.

Dividiram, sim, mas entre si. Na verdade, os brancos UNIRAM povos que, em muitos casos, queriam continuar separados. Querem ainda, na verdade. Há muita intolerância racial na África. Tanto quanto na Europa, na Ásia e na América do Norte. Mais do que na América do Sul. Muito mais do que no Brasil.

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