quinta-feira, 17 de junho de 2010



17 de junho de 2010 | N° 16369
DAVID COIMBRA


Loiras presas

As loiras do Potter foram presas! Por Deus. Lembra que o Potter se infiltrou num cardume de 25 loiras holandesas em frente ao Estádio Soccer City? Loiras de sumários e colantes vestidos cor-de-laranja, todas elas?

De pernas longas e macias? De peles que foram douradas ao sol do Atlântico Norte? E sorridentes, com seus dentes mais brancos do que o mais branco marfim dos elefantes africanos? E que algumas bebiam graciosamente cerveja no gargalo? Lembra?

Eu estava errado.

Não eram 25, mas 36 loiras ondulando pelas cercanias do estádio onde jogaram a Laranja Mecânica e a Dinamáquina.

Pois elas, coitadinhas, foram presas.

Um agente da Fifa desconfiou de tanta loira de minissaia junta e as abordou, crachá na mão, autoridade coruscando no olhar. Descobriu que estavam ali para fazer promoção de uma marca de cerveja, informou que a Fifa não permite este tipo de marketing e as recolheu para algum lugar no qual os africanos guardam as loiras detidas.

Onde será?

Imagino uma delegacia de polícia em algum canto sombrio de Joanesburgo. O delegado, entediado, senta-se atrás de sua mesa de trabalho, fuma seu cigarro e olha para a fumaça azul a evolar-se em círculos concêntricos. Ele se tornou um homem amargo de tanto testemunhar assassinatos e crimes, de tanto repoltrear-se na perfídia, na miséria do mundo.

Ele é um cínico.

Ele não acredita em mais nada.

Então, aquelas 36 loiras de minissaia laranja entram na delegacia.

Veja, amigo leitor, como o mundo pode ser surpreendente e, também, como pode ser muito, muito, muito bom.

Encrenqueiro e provocador

O nome do meio de Mandela é Rolihlahla. Nelson Rolihlala Mandela. Em xhosa, sua língua natal, significa “encrenqueiro”. E ele o foi, um encrenqueiro, durante bom pedaço da vida. Desafiou o poder branco na África do Sul, enfrentou o apartheid e jamais desistiu de lutar pelo que acreditava.

Mandela foi o primeiro a queimar a caderneta de passe, uma espécie de passaporte que os negros tinham de portar para viver em seu próprio país, naqueles tempos de aço. Mandela fundou a Umkhonto we Sizwe, a “Lança da Nação”, movimento que pregava a luta armada contra o racismo oficial.

Mandela foi o voluntário chefe da Campanha de Oposição ao governo branco.

Por tudo isso, Mandela foi condenado à prisão perpétua. Durante 18 anos, mantiveram-no fechado em uma cela menor do que o banheiro de um apartamento de dois quartos, medindo 2,5 x 2 metros.

Eram dois passos de Mandela por dois e meio, exatamente. O mundo exterior ele o enxergava através de uma janelinha de meio metro quadrado. Nesta prisão, a Ilha Robben, um lugar equivalente à famigerada Alcatraz, Mandela alimentava-se de mingau de milho misturado, nos dias bons, com cartilagem de animais.

Era obrigado a usar calças curtas, uma humilhação para um homem como ele, que prezava a elegância – nos anos 50, Mandela era o único negro que vestia ternos cortados pelo mesmo alfaiate do homem mais rico da África do Sul, o magnata do ouro e dos diamantes Harry Oppenheimer.

Mandela passou outros nove anos preso. Vinte e sete no total. Ao ser libertado, comandou a democratização do país e foi eleito presidente da república. Hoje é muito mais do que isso. Hoje é uma lenda. É o ídolo de todo um povo e, sem nenhum exagero, o maior líder político vivo em todo o planeta.

Como Mandela conseguiu isso?

Com tolerância. Ao sair da cadeia, ele poderia tentar se vingar, como muitos queriam que fizesse. Mandela fez o contrário. Congraçou negros e brancos, convenceu uns e outros que não podiam ser inimigos, mas que tinham de construir juntos uma nação. Alcançou uma façanha rara na história do mundo: comandou uma revolução de paz.

Vivendo tantos dias na pátria de Mandela, Dunga devia aprender com seu exemplo. Dunga se queixa que o chamam de rancoroso.

Ele é.

Agora mesmo, em sua última coletiva, depois do jogo contra a Coreia, Dunga demonstrou o quanto. Fez uma provocação tola ao jornalista Silvio Barsetti, da Agência Estado. Tola e inútil. Ao falar sobre o bom desempenho de Robinho, Dunga arrematou:

– E pensar que tinha gente que não queria que eu convocasse o Robinho na época do Real Madrid... Você era um deles! – e apontou para o Barsetti.

Por que fez isso? A entrevista transcorria macia, nenhum questionamento arrevesado havia sido feito até então e nenhum foi feito depois disso, mas Dunga precisou acicatar, precisou mostrar o seu rancor invencível.

Dunga ainda vive no passado. Ainda vive em 1990, o ano da sua dor. Depois disso, só acumula vitórias, mas nenhuma delas é suficiente para arrancá-lo das trevas do ressentimento. Por mais que Dunga vença, ele sempre parece um perdedor irremediável. Se olhasse para a obra de Mandela, talvez compreendesse: o verdadeiro vencedor é aquele que aprende com a derrota. E depois a deixa para trás.

Frio e calor

Poucas vezes na vida sofri tanto com o calor como certa semana de julho que passei em Viena. Na Áustria!, onde a temperatura desanda para 20 abaixo de zero no inverno e a neve que cai durante a noite é suficiente para tapar um Fusca até o capô.

E agora sinto um frio como poucas vezes senti. Um frio seco, rascante, que chega a doer. E estou na África!

Para você ver que estranho mundo é esse em que respiramos.

Ainda que com chuva, um lindo dia para você.

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