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quinta-feira, 24 de junho de 2010
CARLOS HEITOR CONY
Mão de obra
RIO DE JANEIRO - Todas as noites, habituei-me a fazer um exame de consciência para ver se melhorei, se piorei ou se fiquei na mesma. Geralmente fico na mesma. Em tempos eleitorais, tenho motivos não para não me considerar melhor, mas para constatar que poderia estar na pior.
Penso na legião de candidatos espalhados por todo o Brasil. O trabalho que estão tendo, percorrendo suas zonas, providenciando reuniões, gastando o dinheiro que não têm, prometendo o que não podem cumprir.
Além do trabalho miúdo, que compromete todos os candidatos, dos presidenciáveis ao deputado estadual, há a necessidade de aparecer para proclamar: "Estou aqui. Sou o fulano que fez isso, que fez isso e que fará aquilo".
A mão de obra é imensa, e, na loteria eleitoral, muitos são os chamados e pouquíssimos os escolhidos. Daí que, a cada noite, antes de me entregar àquilo que antigamente se dizia serem os braços de Morfeu, folgo com o fato de não ser candidato a nada e a coisa nenhuma.
Mas tenho amigos que estão penando na pedreira eleitoral. Lembro um deles, que vendeu a herança dos pais e o futuro dos filhos para fazer uma campanha que ele mesmo reconhecia modesta.
Tão modesta que, no último dia em que podia divulgar seu nome e suas ideias, descobriu que ainda tinha mais de 5.000 cartazes com sua foto, seu número e seu slogan: "Tudo para o povo".
Poderia vender o papel a quilo, mas achou que era humilhação demais. Com o auxilio da mulher e do filho mais velho, levou os pacotes para um terreno baldio, jogou gasolina em cima e riscou um fósforo. Queimou sua esperança como se queimasse uma bruxa medieval.
Penso nele e dou-me por satisfeito, porque as bruxas que queimo todas as noites ressurgem no dia seguinte, com suas promessas enfeitiçadas.
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