segunda-feira, 7 de junho de 2010



07 de junho de 2010 | N° 16359
LUIZ ANTONIO DE ASSIS BRASIL


Três dúvidas

Três Dúvidas, o novo livro do gaúcho Leonardo Brasiliense (Companhia das Letras), são perguntas em busca de respostas; são três histórias que tentam responder a questões dramáticas: existirá o que sinto, o que vejo? existirá o outro, existirei eu mesmo?

Essas questões são tematizadas numa ficção surpreendente, não apenas pela competência de seu autor, já confirmada pela crítica, pelos prêmios e pelos leitores, mas em razão da dolorida abordagem: estamos tratando de personagens que não conseguem “ver”, e que precisam do olhar do outro para existirem. E se esse olhar chega, desveste-se da solidariedade e apresenta-se estrábico e deformador.

Sob essa perspectiva, as ficções de Leonardo Brasiliense retomam perplexidades que já assombraram os escritores franceses da década de 1950, mas que aqui estão traduzidas numa dor atroz, bem diversa da atitude criptoneutra dos autores do nouveau roman:

um dos narradores deste livro é capaz de dizer “Quando entramos no táxi e vi a indiazinha olhando o horizonte, percebi que, se eu viajasse milhares de quilômetros para buscar um irmão morto, também não teria vontade nenhuma, nenhuma de sorrir”. Eis aí a diferença.

José Francisco e Carmem, Paulo Sérgio e seu pai, Roberto, o jornalista Marco Bertolini, todos têm suas vidas costuradas por linhas tão frágeis que o sopro de uma hesitação é capaz de desfazer. São vidas pendentes de um galho de árvore debruçado sobre o abismo, conforme imagem do próprio livro. E há vento e muita, muita névoa.

De modo seguro, com economia – e autonomia – de linguagem e, ainda, admirável urdidura, o autor, contudo, assegura algumas verdades a tais personagens e situações, vencendo um desafio a que os mais antigos na literatura por vezes não se atrevem.

Temos aqui uma nova e impressionante voz no cenário das letras nacionais. Se Todorov espalha o ceticismo em seu La Littérature en Péril, Leonardo Brasiliense demonstra que há, sim, caminhos, há histórias e há personagens que são como nós, modestos seres humanos.

E a ficção está salva, mais uma vez.

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