segunda-feira, 21 de junho de 2010



21 de junho de 2010 | N° 16373
L. F. VERISSIMO


Haja urubu

Li que a Real Sociedade para a Proteção das Aves está preocupada com o declínio da população de urubus na África do Sul. Segundo uma velha crença, fumar os miolos defumados de um urubu dá o poder de prever o futuro.

Depois de alguns dos primeiros resultados surpreendentes desta Copa, começando com a derrota da Espanha diante da Suíça, teria aumentado o consumo de miolos de urubu e, consequentemente, diminuído a quantidade de urubus nos céus da África do Sul.

Deve ser grande o número de pessoas atrás do poder da clarividência para apostar em zebras ainda por vir. Depois que a Alemanha perdeu para a Sérvia, então, especula-se que tenha triplicado a demanda por miolos de urubu.

O pior é que, como informa uma instituição chamada Fundo de Espécies Selvagens Ameaçadas, setor aves, os urubus estariam sendo envenenados com substâncias que também fazem mal aos humanos. Assim, as inconstâncias desta Copa estariam ameaçando não apenas o prestígio de técnicos e jogadores consagrados como a população da África do Sul em geral, além do equilíbrio ecológico.

Pode-se imaginar como cresceria a procura por miolos defumados de urubu se Brasil e Costa do Marfim também tivesse um resultado, digamos, esdrúxulo. (“Esdrúxulo” é a palavra mais esdrúxula da língua portuguesa e a única que descreveria um empate ou uma derrota do Brasil no jogo de ontem). Seria um sinal de que literalmente qualquer coisa poderia acontecer nesta Copa, e alguém com a capacidade de ver o futuro e apostar no esdrúxulo faria uma fortuna.

No primeiro tempo, andamos perto do impensável. A Costa do Marfim fez alguns ataques perigosos, enquanto que a única vez em que o Brasil entrou na área adversária foi no gol do Luís Fabiano. Mas aí aconteceu uma coisa curiosa: o Kaká se lembrou de como se joga futebol. Ele tinha esquecido. A cada bola que chegava nele, ele se perguntava “e agora?”. Como é que se domina uma bola? O que é, mesmo, passe?

No segundo tempo, então, houve o estalo. Tudo que o Kaká sabia voltou de repente, e o time se modificou. O segundo gol do Luís Fabiano foi com a ajuda do braço, certo, mas se não foi legal, foi justo. O Brasil merecia. E o gol do Elano foi de uma jogada de força e técnica pela beirada da área do Kaká, visivelmente eufórico por ter recuperado a memória.

Não foi uma vitória animadora, mas, pelo menos, continuamos imunes ao esdrúxulo que ronda esta Copa. E, acima de tudo, o Brasil não contribuiu para o aumento da mortandade de urubus. Tudo o que Kaká sabia voltou.

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