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quarta-feira, 23 de junho de 2010
23 de junho de 2010 | N° 16375
L. F. VERISSIMO
Conspirações
A África do Sul precisava ganhar com uma diferença de quatro gols e torcer para o Uruguai ganhar do México. Fez metade dos gols de que precisava no primeiro tempo, e o juiz ainda expulsou um jogador da França.
Pela cabeça de mais de um conspiracionista deve ter passado a lembrança do jogo em que a Argentina tinha que ganhar do Peru por 7 ou 8 a 0 para continuar na Copa de 78, em que era a anfitriã – e ganhou.
A situação era parecida. Tratava-se de evitar o vexame e o baque econômico do time da casa ser eliminado. Ninguém convence um conspiracionista convicto – e até alguns céticos – que a ditadura militar argentina da época não sugeriu, respeitosamente, mas com uma metralhadora em cima da mesa, que o resultado desejado se produzisse, e que o goleiro do Peru naquele jogo não esteja vivendo até hoje da renda do que ganhou.
As teorias conspiratórias prosperam porque não dependem muito de evidências razoáveis. Conspirações acontecem num mundo crepuscular em que nada é o que parece, portanto nada é evidência. Onde há evidências razoáveis, não há uma conspiração, há no máximo coincidências suspeitas. Por isso nenhum conspiracionista precisa explicar como se tece a imensa trama de cumplicidades necessária para que uma conspiração dê certo.
A própria improbabilidade da trama é prova de que houve a conspiração. No caso da suspeita de arranjo para favorecer a África do Sul – uma suspeita que só durou um tempo, porque a África do Sul não ganhou de quatro e acabou eliminada –, o objetivo da trama já bastaria para desmoralizá-la.
Que o Kennedy foi assassinado pela CIA, tudo bem. Que o homem nunca pisou na Lua, foi tudo montado num estúdio em Hollywood, perfeito. Mas uma grande conspiração para a África do Sul ir para as oitavas?!
Eu me preocupo com outra conspiração, esta real e ameaçadora. No gol do Cristiano Ronaldo contra a Coreia do Norte, um dos sete, ele chuta a bola e o goleiro defende, mas, em vez de ir para longe do gol, a bola desce no pescoço do Cristiano Ronaldo. A bola se aninha na nuca do Cristiano Ronaldo.
Ele chega a olhar para trás, surpreso com a sua presença ali. Uma presença carinhosa. Se pudesse, a bola morderia a orelha do Cristiano Ronaldo. Depois ela desce e se oferece ao seu pé, e Cristiano Ronaldo – que até ali não tinha feito nenhum – faz o seu gol. Quer dizer, a bola infiel, que anda enganando todo o mundo, aparentemente escolheu seus favoritos. É um escândalo.
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