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sábado, 26 de junho de 2010
A vergonha nacional dos "pas fanas, pas fanas"
27 de junho de 2010 | N° 16379
PAULO SANT’ANA
A Esquina do Pecado
Devem estar os leitores cônscios de que ultimamente devoram-me recordações da infância, da adolescência e da juventude.
Esses dias, fui até ali, à esquina das ruas Barão do Triunfo com 20 de Setembro, na Azenha, fiquei a meditar sozinho debaixo do poste em que nos reuníamos todas as noites, os jovens camaradas, para conversar.
Foi ao mesmo tempo feliz e sofrida a recordação. Parecia que eu estava cercado pelo mesmo alarido das conversas e dos gritos, das brincadeiras, das ursadas, da roda que ia crescendo debaixo do cinamomo.
Faz 50 anos isto, lembro-me que uma das nossas grandes caçoadas era gozar com o Pacífico, uma rapazinho loiro metido a cantor.
Ficávamos horas incentivando o Pacífico a cantar, ele que não cantava nada, mas era uma delícia ficar com ar sério a ouvi-lo, como se fosse um grande intérprete.
A Esquina do Pecado, como chamávamos aquele templo de humanidades que nos entretinha todos os dias, regurgitava de gente todas as noites.
A esquina tinha um pendor musical. Ali na Barão do Triunfo morava um mulatinho simpático que cantava na Rádio Farroupilha, o Valdir do Carmo. Ele era, assim, o mais ilustre participante da nossa roda, tínhamos orgulho de ter um cantor profissional, um artista, entre nós.
Como é que entre as minhas recordações da Azenha deixei escapar os churrasquinhos que o Peleja – que saudade, Peleja – fazia na beira da calçada, os cuidados com que ele assava a carne para nós?
E como é que não dei valor para a figura inesquecível do Coró, o barbeiro, também cantor de boa voz, com seu permanente bom humor? O Coró, Ivon Bernardes, cortando cabelos na barbearia do seu pai, Arduíno Bernardes, conseguiu mais tarde a façanha de se formar em Direito e antes de morrer foi advogado por largo tempo.
Como é que deixei passar nas minhas recordações o João Pirilo? Concunhado do Dilamar Machado, que era da nossa turma e morava na frente do Bar do Paizinho, ali mesmo na Rua Barão do Triunfo, onde havia e funcionava incrivelmente uma ferraria que ainda ferrava cavalos.
Como é que fui esquecer a figura célebre do Nilo Abel Piazza, que trabalhava em necropsias no Instituto Médico Legal? Todas as pessoas que necropsiavam cadáveres se atiravam à bebida, e nós caçoávamos do Nilo, que, delirantemente, queria se candidatar a vereador.
E nós todos, numa galhofa, fundamos na casa do Nilo um comitê e fazíamos a encenação de que iríamos trabalhar na sua eleição (utópica) e nos reuníamos na casa dele para tratar dos planos para o pleito.
Lembro-me que na ocasião compus um hino para a candidatura do Nilo, que nós cantávamos de pé, em torno da mesa de reuniões, com solenidade. Tudo gozação:
Nilo Abel Piazza
Já é vencedor
Nilo Abel Piazza
Já é vereador
Nilo Abel Piazza
Nele todos vamos votar
Pela Azenha e Barão
De todo o coração
Ele irá batalhar.
Como fui me esquecer do Antônio Carlos Sena e seus bonecos do Teatro Infantil de Marionetes, que sua mãe confeccionava com devotamento? Do Aníbal Damasceno, do Marco Aurélio Garcia, hoje importante assessor para política internacional do Lula.
Era a nossa esquina, hoje tesouro da nossa memória. Recordar é viver, talvez porque recordar seja sofrer, eis que não se pode mais, terrivelmente, voltar no tempo.
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