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sábado, 19 de junho de 2010
19 de junho de 2010 | N° 16371
CLÁUDIA LAITANO
Sem respostas
Quem gosta de literatura acaba criando em torno de seus autores favoritos uma espécie de mitologia particular. Não que suas obras se transformem em algo parecido com um livro sagrado, congelado no tempo e avesso ao debate.
Muito pelo contrário: um grande livro sempre é recriado de forma única a cada novo leitor que dele se aproxima, e alguns autores conseguem a proeza de irem se aperfeiçoando muito tempo depois de terem morrido – como se épocas diferentes fossem capazes de produzir novas e insuspeitadas leituras, em vez de apenas sacralizar as antigas.
Nessa mitologia laica não existe culpa, nem pecado – apenas reconhecimento e reverência aos autores que nos tocaram de forma especial em determinado momento.
Como se estivessem todos ali reunidos em uma catedral invisível, um templo construído unicamente para a celebração particular daqueles homens e mulheres que, através da literatura, nos tornaram um pouco mais humanos – e menos solitários.
Se o leitor é ateu e calha de incluir Dostoiévski entre os grandes de seu olimpo literário, como é o meu caso, não é raro que seja confrontado com o célebre enunciado do romance Os Irmãos Karamazov (1879): “Se Deus não existe e a alma é mortal, tudo é permitido”.
Boa parte do século 20 foi ocupada por discussões filosóficas a respeito dessa pequena frase – o que já demonstra a genialidade do livro. Mas cada leitor de Dostoiévski, do mais erudito ao mais inocente, é convidado a confrontar-se com ela da forma que mais lhe faz sentido.
E essa é a beleza da literatura: sua natureza essencialmente antidogmática, mesmo quando parece o contrário. Porque a grande literatura é aquela que tenta entender, e não a que tenta ensinar. Dostoiévski nos comove porque sua angústia é genuína e não porque encontra todas as respostas.
Mais ou menos na mesma época de Dostoiévski, um certo autor português, muito popular no Brasil em determinada época, oferecia um contraponto à questão colocada em Os Irmãos Karamazov. Em Os Maias (1888), de Eça de Queiroz, o personagem Afonso da Maia, ateu convicto, ensina ao neto, Carlos, que a ausência de Deus não exime os homens de bem de viverem segundo uma determinada pauta de valores universais.
Não é porque não há nenhum policial cuidando que vamos todos correr para assaltar um banco. Admitir que a única coisa que nos impede de fazer o que é certo e justo é a iminência do castigo, neste ou no outro mundo, de alguma forma nos diminui enquanto seres humanos potencialmente livres e responsáveis. E esse é um dos grandes equívocos que ainda vêm à tona quando se coloca a religião em debate.
Há grandes autores entre ateus e não ateus, mas poucos grandes autores absolutamente satisfeitos com tudo o que sabem. Em uma entrevista recente, perguntaram a José Saramago, um dos mais célebres ateus da literatura contemporânea, qual a questão que ele ainda não havia conseguido responder: “A pergunta que não consigo responder é muito simples: para quê? Para que tudo isso? Vou morrer sem encontrar a resposta. Creio que ninguém nunca encontrou”.
Um grande autor é esse sujeito que amplia o alcance das nossas perguntas, sem necessariamente oferecer todas as respostas. O resto é barulho.
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