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terça-feira, 29 de junho de 2010
29 de junho de 2010 | N° 16381
LIBERATO VIEIRA DA CUNHA
Receita de inverno
Neste inverno que está começando, não gostaria de desejar a mulher do próximo, por mais sedutora que ela me parecesse.
Não gostaria de invejar os amores felizes, por mais secretos que eles se mantivessem.
Não me agradaria cometer o pecado do arrependimento, porque no fundo sou um homem absolvido.
Não ousaria pedir um olhar da deusa que amo em silêncio.
Não projetaria nenhum grande plano, porque me servem os minúsculos com que se distrai meu coração.
Não abandonaria a leitura dos muitos livros que percorro, pois todos eles têm segredos a contar-me.
Não calaria a música que escuto ao entardecer, já que ela é a protofonia dos sonhos que virão com a noite.
Não deixaria de assistir ao filme em que se resumem todos os caminhos da imaginação.
Não esqueceria de telefonar à amiga que autossentenciou-se à solidão em seu branco apartamento indevassável.
Não me isentaria de escutar o concerto de todos os pássaros a cada manhã.
Não me cansaria de contemplar a magia plástica deste quadro que me dá a honra de sua companhia.
Não faltaria à peça de teatro em que o enredo e os personagens espelham a própria vida.
Não perderia a noção de que a existência é um caminho oculto, de que só nós temos a chave.
Não esqueceria os amigos, pois eles são a senha de nossa trajetória sobre a Terra.
Não olvidaria o passado, já que é o prumo de tudo o que somos e do que seremos.
Não desdenharia o presente, posto que é a singradura do que vivemos.
Não me inquietaria o futuro, porto seguro do amanhã que construo hoje.
Não me dariam saudades os idos amores, eis que se completaram em si mesmos em seus círculos perfeitos.
Não me inquietariam os amores de agora, ecos de sua suave irrealidade.
Não me preocupariam os amores de amanhã, reflexos de momentos ainda por desvendar.
Assim gostaria que fosse este inverno que está começando, íntegro e perfeito tanto quanto pode a circunstância humana.
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