sexta-feira, 11 de junho de 2010



11 de junho de 2010 | N° 16363
PAULO SANT’ANA


Engarrafou total

Era certo que iriam surgir as mentes prodigiosas a pregar que para acabar com os engarrafamentos é necessário que as montadoras parem de fabricar carros.

Ora, eu também acho que para criar mais vagas nos presídios e nos hospitais bastaria que as maternidades produzissem menos bebês.

As montadoras estão aí para fabricar carros. Como as fábricas de cigarro estão lá para industrializar o tabaco.

Não há como querer acabar com o jogo de cartas mandando fechar as fábricas de baralho.

Então, a GM de Gravataí vai passar dos 120 mil carros anuais para 380 mil. Salve a GM, salve a produção, salve os empregos diretos e indiretos que a GM cria. O que não pode é mandar que a GM cesse a linha de montagem porque a Avenida Ipiranga está constantemente engarrafada.

Do jeito que vai, na marcha que vai o engarrafamento, ainda chegará o dia em que os veículos novos não vão poder sair em suas cegonhas das montadoras porque o trânsito na frente da fábrica estará engarrafado.

Evidentemente que a pessoa que já tem carro se assusta com a notícia de que as montadoras fabricam cada vez mais carros e as financeiras cada vez mais se aprestam em financiá-los.

É o papel das financeiras e das montadoras.

O que seria de se exigir é que os governantes e suas equipes de governo fossem tão ágeis, clarividentes, dinâmicos e criativos quanto o são os dirigentes das montadoras e financeiras. E tratassem de construir uma infraestrutura nas cidades capaz de abrigar em trânsito civilizado os milhões de carros que as montadoras montam e as financeiras financiam.

Quem prega que as montadoras parem de fabricar carros é porque já tem carro emplacado e sonha que não apareça mais nenhum carro para concorrer com ele nas ruas e avenidas.

Seria bom ter as vias da cidade só para si. Mas não é assim, infelizmente. A vida é feita em sociedade, todos têm o direito de ter o seu carro. Fechar a montadora ou impor a ela que fabrique menos carros é ato insano que não cabe dentro de uma democracia social.

Há 10 anos, quando notei que meu carro não trafegava mais tranquilamente pela cidade, antevi nesta coluna, todos devem recordar, que Porto Alegre tinha que depressa passar para a construção de elevadas e viadutos se não quisesse trombar com um caos de engarrafamento em seu trânsito.

Faz 10 anos que preguei e previ isso. Lembram-se? A vantagem dos leitores desta coluna é que eles ficam sabendo que haverá crises 10 anos antes que elas aconteçam.

Não se construíram elevadas e viadutos, não se criaram metrôs nem trens de superfície, e agora estamos todos engarrafados.

A qualidade de vida, de uma hora para outra, baixou para o povo de Porto Alegre e arredores em níveis aterradores, só por causa do engarrafamento.

Quem saía de casa às sete horas da manhã é obrigado agora a sair às cinco horas. E sobra menos tempo para descansar em casa. O tempo encurta na saída de casa e se espicha na chegada de casa.

A cidade está virando um inferno para milhares de pessoas.

Eu sabia que ia engarrafar. Dez anos antes.

E daqui a 10 anos será impossível trafegar nesta cidade, se os governantes continuarem cegos e de mãos amarradas.

Mas querer fechar as montadoras por isso é o mesmo que obrigar os pobres a não terem mais filhos para melhorar a situação do SUS e das penitenciárias.

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