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sábado, 19 de junho de 2010
19 de junho de 2010 | N° 16371
NILSON SOUZA
O som da África
Como gosta de brincar o Scliar, a batalha final nesta Copa africana não será entre alemães e holandeses, que estão confirmando o favoritismo, nem entre brasileiros e argentinos, que sonham com um tira-teima continental na vitrine planetária do Mundial, mas, sim, entre os tocadores de vuvuzelas e os que não suportam o barulho das cornetas. Estou, decididamente, no segundo time.
Sempre que inventarem alguma coisa capaz de perturbar o sossego alheio, me incluam fora disso. Jamais sopraria um berrante daqueles. O futebol virou outra coisa com aquela zoeira incessante, que lembra a aproximação de um enxame de abelhas furiosas.
Nas primeiras vezes que fui a um estádio de futebol, menino ainda, levado por um tio ao antigo Passo D’Areia, assim mesmo, com apóstrofo, a coisa que mais me impressionou foi o barulho dos chutes.
A gente nem precisava ficar perto da tela para ouvir a batida da chuteira na bola, especialmente quando um zagueiro mais vigoroso dava uma rebatida ou quando um jogador cobrava tiro de meta ou falta. O ruído da número 5 explodindo na trave é uma de minhas lembranças sonoras inesquecíveis da infância.
Em outros estádios que frequentei, também tive a oportunidade de ouvir outros sons do futebol, sendo o mais impressionante deles o silêncio das arquibancadas – no momento de uma cobrança de pênalti ou quando o time da casa leva um gol. Há ocasiões em que se pode ouvir as batidas dos corações.
Um estádio de futebol lotado é um organismo vivo, com voz, com movimento e com sentimentos. Poucas coisas são tão belas e emocionantes quanto o canto alucinado de uma torcida, milhares de vozes na mesma canção, no mesmo ritmo, no mesmo desejo. E o que dizer daquele pequeno coro que começa lento e vai crescendo até se transformar num grito de guerra mobilizador?
As vuvuzelas, com todo o respeito aos costumes africanos, inviabilizam esta parte bonita do espetáculo.
Mas acho que a Fifa tem razão em não proibir agora. Seria como tirar o brinquedo das mãos das crianças no dia seguinte ao Natal. Os sul-africanos suaram sangue para organizar a Copa, para construir e reformar estádios, para deixar suas cidades em condições de receber visitantes de todo o mundo – inclusive os descendentes dos povos que escravizaram seus antepassados.
É mais do que justo que façam a festa à sua maneira. Se lhes dá prazer soprar sem parar naquelas trombetas coloridas, que o façam. Os incomodados que usem tampões de ouvido, como estão fazendo muitos torcedores.
Depois da Copa, a gente volta a falar no assunto. Até mesmo porque, em 31 dos países participantes, ninguém terá vontade de soprar vuvuzela por algum tempo.
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