sexta-feira, 18 de junho de 2010



8 de junho de 2010 | N° 16370
DAVID COIMBRA


Cuidado com os elefantes

Paquidermes, caçadores e marfim

Certa feita eu lia jornal sentado na ponta do sofá da sala. Minha namorada de então, isso faz carradas de tempo, ela dormitava com a cabeça apoiada nos meus joelhos. Não chegava a dormir, levitava nas brumas do estado alfa. Bom. Pingado o ponto final da notícia, comentei, espantado:

– Sabia que só existem mais 800 gorilas no mundo???

Ela, com voz pastosa, sem nem abrir os olhos, balbuciou:

– E pra que mais?

Não era uma namorada ecológica.

Outros, menos insensíveis, se assombrariam ao saber que, por volta dos anos 30, existiam pouquíssimos elefantes na África do Sul. É que os europeus os caçavam implacavelmente por causa do valioso marfim de suas presas. Pesquisadores estimam que, entre 1500 e 1900, os homens brancos abateram ou patrocinaram o abate de cerca de 1 milhão de elefantes só no sul da África.

Mas você sabe: o elefante é um bicho grande e, se incomodado, brabo como um Dunga. Para capturar um único eram necessários pelo menos 150 caçadores. Assim, os europeus espertos preferiam extrair as presas dos que já haviam passado para outro plano através de morte natural. Só havia um problema: eles nunca encontravam um único elefante morto. Jamais. Em parte alguma. Um bicho daquele tamanho... Onde ficava o cemitério dos elefantes?

Durante anos os europeus interrogavam os nativos para desvendar esse mistério, mas nenhum africano revelava o que acontecia com o paquidérmico corpo dos elefantes depois da morte.

Por fim, um explorador português fez a descoberta impressionante. A seguinte: os elefantes, depois que envelhecem, vão enfraquecendo, como sói acontecer com os velhinhos de todas as espécies. Chega um momento em que precisam entrar mais fundo nos rios e lagos para beber água, porque já não têm força de sucção suficiente em suas trombas. Então, os elefantes avançam lago adentro com todo aquele peso, e o solo barrento do lago cede, e eles começam a se debater, e vão afundando, afundando, até que morrem afogados.

É espantoso pensar que no fundo dos lagos africanos jazem os imensos corpos dos elefantes.

Ontem, ao conversar com um sul-africano sobre a derrota dos Bafana Bafana para o Uruguai, ele fez uma advertência:

– E vocês, brasileiros, tomem cuidado com os elefantes.

Aquilo a princípio me desconcertou. Será que havia perigo de uma manada de elefantes invadir Joanesburgo? Depois compreendi: os jogadores da Costa do Marfim são chamados, precisamente, de elefantes.

A própria Costa do Marfim, como você já deve ter percebido, é assim chamada por causa de seus elefantes.

Os europeus, sobretudo os portugueses, desenvolveram a mania de pôr nos lugares que conquistavam nomes que tivessem a ver com as mercadorias que de lá retiravam. Havia a Costa do Ouro, mais ou menos entre Gana e Guiné, a Costa dos Escravos, a Costa da Malagueta, a Costa da Prata. Várias costas. E também a Costa do Marfim.

Nos tempos coloniais, os europeus pagavam regiamente pelo marfim. Mas obtê-lo não era tarefa para qualquer um. Em algumas tribos, quando um rapaz abatia um elefante pela primeira vez, o pai mandava marcá-lo com um sinal que o identificava como da elite dos caçadores.

O método era perigosíssimo: o caçador tinha de se aproximar silenciosamente do grande macho e lhe desferir uma machadada na pata, cortando-lhe os tendões. O animal desabava, e o peso do seu corpo lhe quebrava as pernas, deixando-o à mercê do verdugo humano.

Era assim que se matavam elefantes na Costa do Marfim. Como será que Dunga planeja abater a seleção dos elefantes no domingo? O sul-africano com quem falei tem razão. É preciso ter cuidado. Estamos na África, e um elefante, na África, é sempre perigoso.

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