Aqui voces encontrarão muitas figuras construídas em Fireworks, Flash MX, Swift 3D e outros aplicativos. Encontrarão, também, muitas crônicas de jornais diários, como as do Veríssimo, Martha Medeiros, Paulo Coelho, e de revistas semanais, como as da Veja, Isto É e Época. Espero que ele seja útil a você de alguma maneira, pois esta é uma das razões fundamentais dele existir.
sábado, 19 de junho de 2010
20 de junho de 2010 | N° 16372
VERISSIMO
Albert Speer fala com as flores
Nosso plano era que a Europa fosse um jardim organizado. Livre da erva daninha do bolchevismo
(Da série “Diálogos Impossíveis”). Albert Speer foi o arquiteto de Hitler e o ministro de armamentos do Terceiro Reich durante a II Guerra Mundial. Foi ele o responsável pela deportação de milhões de pessoas para trabalho escravo na máquina de guerra nazista. Julgado em Nuremberg, foi condenado a 20 anos de prisão.
Entrou na prisão de Spandau, em Berlim, com 42 anos e saiu com 61. A prisão era administrada, em rodízio, por militares americanos, ingleses, franceses e russos, e especula-se que sua sentença só não foi encurtada porque os russos não queriam perder a única presença que mantinham em Berlim Ocidental, na guarda compartilhada de Speer.
Durante seu internamento, Speer leu, escreveu e cuidou do jardim da prisão, dedicando cada vez mais tempo e atenção às flores e à limpeza dos seus canteiros. Num diário, escreveu: “Anos atrás precisei organizar a minha sobrevivência aqui dentro. Isto não é mais necessário. O jardim se apossou completamente da minha vida”.
Speer foi libertado em setembro de 1966. Pode-se imaginar que no seu último dia de internamento tenha passeado pelo jardim da prisão, dando os últimos retoques nos canteiros que abandonaria no dia seguinte.
Talvez tenha até pensado em ficar, ou em pedir licença às autoridades para voltar lá regularmente e continuar seus cuidados. Os americanos dariam boas risadas do seu pedido. Os franceses o achariam poético. Os ingleses o ignorariam. Os russos o negariam.
Speer talvez tenha falado com as flores naquele seu último passeio.
– Adeus, minhas queridas.
– Adeus, doutor.
Não o surpreenderia, ouvir as flores falando. Elas o tinham ajudado a não enlouquecer em Spandau. Era justo que reivindicassem um pouco de loucura, no final, para poderem se despedir do seu benfeitor. Só um pouco.
– Vou sentir saudades de vocês.
– E nós do senhor.
– Fui um bom jardineiro, não fui?
– Um ótimo jardineiro.
– Aproveitei minha experiência como organizador. Este sempre foi o meu forte.
– Deu para notar. Este é, sem duvida, o jardim mais bem organizado da Europa.
– Arranquei a erva daninha. Adubei quando era necessário. Podei na hora certa. E tudo de acordo com um plano. Com uma visão do que um jardim deveria ser. Uma visão superior.
– As plantas precisam de alguém com uma visão superior para lhes revelar seu destino. E o resultado aí está. Vocês. O meu orgulho.
– Nós também nos orgulhamos do que o senhor fez.
– Eu sou um homem bom, não sou?
– Um homem maravilhoso.
– Mas, doutor, só nos explique uma coisa. Por que um homem maravilhoso como o senhor ficou 20 anos na prisão?
– Foi um mal-entendido.
– Como assim?
– Nós tínhamos um plano. Um pouco como o meu plano para este jardim. Era isso: nosso plano era que a Europa fosse um jardim como este. Um jardim organizado. Livre da erva daninha do bolchevismo. Adubado com o sangue honrado dos seus mártires e o esterco dos seus inimigos naturais. Podado das raças desnecessárias que ofuscavam sua beleza e atrasavam sua glória. O nosso era um projeto estético. Não foi entendido.
– O senhor era um jardineiro e foi confundido com um monstro.
– Exato. Preferiram dar mais importância à dor passageira de alguns milhões de pessoas do que à estética. Como se arrancar erva daninha fosse um crime! Vocês, não. Vocês se submeteram à minha visão superior, à minha tesoura e à minha espátula, sem dar um “ai”.
– Sabíamos que era pela nossa maior glória.
– Vocês me entenderam! Um jardim sem uma visão superior não é um jardim, é uma floresta. É o caos. Eu os salvei da desordem. Infelizmente, não pude fazer o mesmo com o resto da Europa.
– E agora, doutor? O que será de nós?
– Não sei. Eu me preocuparia se aparecerem russos com ancinhos. Os russos não têm nenhum senso estético.
– Adeus, doutor.
– Adeus.
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário