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domingo, 13 de junho de 2010
FERREIRA GULLAR
Mudanças na rua Duvivier
Várias boates fecharam as portas para sempre; era uma área de intensa vida noturna nos anos 50 e 60
QUE AS COISAS mudam, a gente sabe, mas nem sempre se repara. Felizmente. E eis que, hoje, indo por minha rua, a Duvivier, em direção à praia, após cruzar a avenida Nossa Senhora de Copacabana, me dou conta de que, do outro lado da rua, vizinha à farmácia, mudaram a fachada e as vitrinas de uma loja: está tudo novo, iluminado.
E lembro que ali ficava uma barbearia, cujo dono vivia me pedindo que cortasse o cabelo com ele. Eu prometia sem a intenção de atendê-lo, uma vez que corto o cabelo com o Darcy, excelente cabeleireiro, mais de senhoras que de senhores.
Um dia, porém, ao passar em frente à sua loja, entendi a razão do pedido: é que, na vitrina, punha fotos de pessoas conhecidas, seus fregueses ilustres: um deles era Mário Lago; outro era Braguinha, que morava aqui perto, na Barata Ribeiro.
E então me dei conta de que o simpático cabeleireiro havia sumido para sempre, ele e sua barbearia. Essa descoberta de distraído me levou a antigos desaparecimentos e mudanças, ocorridos na minha rua, a começar pelas várias boates que fecharam as portas para sempre. É que esta era uma área de intensa vida noturna, nos anos 50 e 60.
Basta dizer que, quase em frente à falecida barbearia, está o Beco das Garrafas, onde teria nascido a bossa nova. O beco ganhou esse nome, segundo consta, porque os vizinhos, que moravam em cima da boate, atormentados com o barulho dos músicos e dos bebuns, alta madrugada, jogavam garrafas sobre eles. Hoje, na esquina do beco, há uma pequena loja especializada em coisas ligadas à bossa nova.
Outra boate que fechou foi a que havia debaixo de meu apartamento e não me deixava dormir. Hoje, em seu lugar, há uma silenciosa loja de móveis usados, frequentada, altas horas da noite, só pelos falecidos donos daqueles antiquados guarda-roupas de espelho na porta; mas fantasmas não fazem barulho.
Barulho mesmo fazia a Banda do Viver que, semanas antes do Carnaval, ocupava a área livre em frente a um casarão desabitado. Um dia o demoliram, construíram um hotel de muitos andares, e a banda passou a se concentrar debaixo de minha janela, num palanque com alto-falante e tudo. Esse tormento acabou de repente porque o responsável pela banda morreu.
Não sonhava com solução tão drástica, mas a vida, às vezes, engrossa. Devo admitir, porém, que, sem a Banda do Viver, minha vida, durante o Carnaval, melhorou. Só durante o Carnaval porque, ao longo do ano, depois que construíram o tal hotel, piorou: é que ele tapa o sol que iluminava minha sala, todas as manhãs; agora, só depois das 11h, ali penetra por alguns minutos.
Como a vida muda e tudo muda, minha esperança é que, um dia, esse maldito hotel seja demolido também. Sei que é nada provável, mas um pouco de insensatez ajuda-nos a viver, como ensina o inolvidável cavaleiro Dom Quixote de la Mancha.
Outra coisa que mudou para melhor foi uma turma que ficava ali na esquina com a Ministro Viveiros de Castro. Um deles tinha uma caminhonete de fretes, que estacionava sempre na passagem de pedestres; outro vendia móveis usados, que colocava junto à grade do prédio da esquina. Essa turma passava o dia ali, um sentado numa poltrona velha, outro na beira de um estrado de cama, ocupando a calçada.
O mandão do grupo era um barrigudo, de barba por fazer e sem camisa. Certo dia, o vi montado sobre um dos colegas, socando-lhe a cara. Tomei horror a ele.
E não é que, de repente, sumiram todos? Um tempo depois, na mesma esquina apareceu um sujeito que vivia deitado numa colcha velha e que, quando se levantava, mal conseguia andar.
À noite, desaparecia, mas, no dia seguinte, estava lá outra vez. Faz uns dois meses que sumiu também, creio que para sempre.
Essas foram mudanças ocorridas na rua. Há, porém as que se passaram dentro de casa, mais perto de mim. Dentre elas, a mais recente e sentida foi a perda de meu gato, chamado Gatinho, que daqui saiu em meus braços, certa madrugada, quando o levei a uma clínica na rua Santa Clara, donde não voltaria mais; a não ser, num momento ou outro, quando o sinto roçar em minhas pernas, debaixo da mesa, sem que me atreva a espiá-lo. Prefiro não vê-lo a não vê-lo.
O presidente da República reincidiu cinco vezes no desrespeito à lei eleitoral. A reincidência deliberada não implica agravamento da pena?
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