KENNETH
MAXWELL
Éden, utopia e inferno
O Brasil era visto inicialmente
como o Jardim do Éden. Sérgio Buarque de Holanda o definiu como "uma visão
do paraíso", no qual as pessoas viviam inocentemente, em um clima perfeito,
cercadas de pássaros exóticos e ani-mais estranhos.
Américo Vespúcio, em sua famosa
carta a Lorenzo di Pierfrancesco de Medici, escrita de Lisboa em 1502, falava
de um povo que vivia sem dinheiro, propriedade ou comércio, em completa
liberdade social e moral, sem reis ou religião. A "Utopia", publicada
por Thomas More em 1516, foi em parte inspirada pela vívida descrição do Brasil
por Vespúcio.
Mas o mito demoníaco, com seu
medo do atraso e do canibalismo, não demorou muito a se manifestar. A primeira
xilogravura colorida a mão surgiu em Augsburgo em 1505, mostrando homens e
mulheres marrons, usando chapéus de penas e mastigando braços e pernas humanos,
defumando outras partes de corpos humanos em uma fogueira, em preparação para
um festim. A legenda aproveitava o relato de Vespúcio: "Eles lutam uns
contra os outros e devoram uns aos outros... Vivem por 150 anos. E não têm
governo".
Mesmo os sempre pacientes
jesuítas, que chegaram em 1549 em sua primeira missão ao Novo Mundo, às vezes
se desesperavam quanto à capacidade dos indígenas de trabalhar seriamente.
O padre Anchieta observou, em
1586, que tampouco a natureza da terra ajuda, sendo relaxante, preguiçosa e
melancólica, e, por isso, todo o tempo é dedicado a "festas, cantos e
diversão".
As aspirações bíblicas para a
América portuguesa como a "Terra de Santa Cruz" não se realizaram,
claro. Em lugar disso, o comércio triunfou. A nova terra recebeu o nome do
prosaico pau-brasil. Os portugueses logo passaram a recorrer à coerção, às
safras de exportação e aos escravos africanos. O jesuíta Antônio Vieira
descreveu os caldeirões fervilhantes das usinas de açúcar como "um espelho
do inferno".
Os habitantes originais do Brasil
haviam, nesse meio tempo, se tornado "índios", ainda que Pedro
Álvares Cabral já soubesse que isso não era fato -ao contrário de Colombo, que
persistiu em acreditar que estava na Ásia mesmo depois de passar um ano
encalhado na Jamaica, em 1503/1504. Cabral, afinal, estava a caminho da
verdadeira Índia ao avistar inadvertidamente a costa brasileira.
Cabral ficou pouco mais de uma
semana. Mas Pero Vaz de Caminha escreveu a Lisboa em 1º de maio de 1500
descrevendo a beleza, a nudez e a inocência dos povos indígenas que os
portugueses haviam encontrado nas praias de areia branca, e que tanto os havia
chocado e deliciado.
KENNETH MAXWELL escreve
às quintas-feiras nesta coluna.
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