19
de dezembro de 2012 | N° 17288
DIANA
CORSO
Fale com elas
Já viveu
mais de meio século, mas meu marido ainda lembra do cuidado que tinha na hora
de pendurar a lancheira para não se enganar. No jardim de infância, antes de
conhecer as letras, cada criança tinha uma figura no cabide, a dele era um
elefante, aquele era seu lugar.
A
creche é o primeiro espaço de existência pública, onde se pode ser alguém fora
da família. Os adultos da família nos nomeiam, definem, rotulam, e com isso vão
nos modulando, mas quando saímos “por conta”, quanto se tem um cabide de
elefante para chamar de seu, é que passamos a ser alguém.
A
Casa dos Cataventos, nome emprestado da poesia de Quintana, não é creche nem
escola, é um lugar para brincar e conversar. Lá também cada criança marca sua
chegada de um jeito. Em vez do cabide, pois muitas não trazem uma mochila, ao
chegar seu nome é registrado no quadro, num livro de presenças, no copinho que
vai usar para tomar água.
Ela é
anunciada por escrito, mesmo que ainda não saiba ler. Os adultos desse lugar
estranho estão lá para falar com ela e não sobre ela. Eles se interessam
sinceramente por suas fantasias, que ali são grande coisa. É bom que seja
assim, a infância é incompatível com a hipocrisia. Crianças farejam a mentira,
brincam de faz de conta, nunca fazem de conta que brincam.
Situada
na Vila São Pedro, a casa é um projeto comum de psicanalistas e universitários,
mas ali os pequenos membros da comunidade é que são as estrelas. Inspirado na
Casa Verde, criada na França por Françoise Dolto, e nas Casas da Árvore,
instaladas nas favelas cariocas, esse trabalho provou-se uma importante ferramenta
de saúde mental.
Os
profissionais se alternam: eles também devem colocar seu nome, brincar e
conversar. As crianças entram e saem quando querem, seguem as regras combinadas
entre todos, e brincam com dedicação. Por que adultos fazem das tripas coração
para criar e manter um lugar aparentemente tão despretensioso?
A
maior parte das crianças em situação de extrema pobreza cresce órfã de atenção.
Em geral, passam a vida sem jamais ter conversado com um adulto sobre seus
sonhos e pesadelos. Ninguém fica sabendo do que cada uma tinha medo e raiva, e
isso tudo elas compreendem e expressam brincando!
O
que não vira brincadeira tende a entrar em confronto com a sociedade. Dar espaço
à fantasia evita a marginalização de sentimentos, pensamentos e atos, simples
assim. Por isso, no Natal que se aproxima, convém lembrar que o importante não é
o brinquedo, o presente. Brinque, converse com seu filho, seu neto, seu
sobrinho. Acolha sua imaginação, e ele lhe dirá quem é!
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