CONTARDO CALLIGARIS
O
massacre de Newtown
Horrores parecidos com o de Newtown acontecerão de novo,
nunca teremos como evitá-los ou preveni-los
NA SEXTA passada, em Newtown, Connecticut, um jovem de 20
anos voltou para sua antiga escola primária e matou 20 crianças, de seis e sete
anos, e seis adultos (a diretora, a psicóloga da escola e quatro professoras).
Em casa, ele já tinha assassinado sua própria mãe.
Fiquei diante da televisão durante boa parte do fim de
semana. O cenário bucólico da região reforçava a insensatez do acontecido.
1) Poucas horas depois do massacre, o dr. Sanjay Gupta,
neurocirurgião e "correspondente médico" da CNN, afirmava
enfaticamente que precisamos de "uma legislação que permita que as
autoridades façam o que deve ser feito". "Essas coisas", ele
acrescentou, "podem ser previstas e podem ser tratadas".
Na emoção do momento, Gupta (que, em geral, é competente e
prudente) reiterou que sempre há sinais que nos avisam de que algo terrível
está para acontecer. Seu exemplo? Veja: "Alguém está irritado e isolado,
sofre de alucinações auditivas, tem paixão por armas e frequenta um estande de
tiro".
Diante desse quadro, lamentou Gupta, você não tem como
chamar a polícia, pois ela não tem os meios legais para intervir. Por sorte,
acrescento eu.
Mais tarde, também na CNN, uma psiquiatra declarou que o
atirador "era um perigo para sua própria família" (fácil de se dizer,
sobretudo DEPOIS de ele ter assassinado a mãe). Segundo ela, fomos longe demais
no respeito por doentes e perigosos: temos medo de prender as pessoas. A mesma
psiquiatra disse que pessoas como o assassino, infelizmente, se recusam a serem
medicadas.
Ou seja, não é que nossos diagnósticos sejam imprecisos e
tardios, nem que nossos remédios sejam insuficientes e precários. Também não é
que a gente não saiba prever uma explosão de loucura assassina.
Nada disso. Na sexta-feira, segundo a CNN, se tivéssemos os
meios legais de internar e medicar à força, teríamos resolvido o problema
definitivamente. Eu mesmo adoraria jurar, em cima das tumbas das vítimas de Newtown
(e de milhares de outras, mundo afora), que, a partir de suas mortes, tudo
mudará. Mas essas são palavras que apenas servem para nos consolar.
2) Sou favorável ao movimento para que sejam verificados a
sanidade (até onde possível, que é pouco) e os antecedentes dos que adquirem
armas. Sou favorável à proibição da venda das armas de guerra -e talvez até de
todas as armas. Mas, por favor, SEM ILUSÕES.
No caso, em Connecticut, o controle já existe, e as armas
usadas pelo assassino de Newtown eram devidamente registradas: elas pertenciam
à mãe de assassino, uma de suas vítimas.
O Japão tem uma legislação rigorosa contra a posse de armas.
Justamente, em 2001, Mamoru Takuma, condenado à forca em 2004, entrou numa
escola primária de Osaka e matou oito crianças -com uma faca.
No Reino Unido, depois do massacre de Hungerford, em 1987
(16 vítimas, entre as quais a mãe do assassino -mais o assassino, que se
suicidou), as armas automáticas e semiautomáticas foram banidas pelo Firearms
(Amendment) Act, de 1988. No massacre na escola de Dunblane, na Escócia, em
1996 (morreram 16 crianças, um adulto -e o assassino, que se suicidou), foram
usada duas pistolas e dois revólveres.
Em consequência, foi proibida a propriedade privada de todas
as armas de mão. Isso não impediu que, em 2010, alguém, no condado de Cúmbria,
Inglaterra, matasse 12 pessoas e ferisse mais 11, antes de se suicidar.
Meus amigos caçadores, membros da National Rifle
Association, pensam que não é bom proibir as armas: segundo eles, se as
professoras, a diretora e a psicóloga de Newtown estivessem armadas e
reagissem, o balanço do horror teria sido mais leve. O mesmo argumento poderia
ser invocado pelo massacre na escola Municipal Tasso da Silveira, no Realengo,
no ano passado. Mas você gostaria que suas crianças frequentassem uma escola em
que os professores estivessem constantemente armados?
Minha conclusão é a de que devemos agir, sim: controlar as
armas de fogo, melhorar nossos diagnósticos. Mas, por favor, sem mentir para
nós mesmos.
Nossas ações acarretarão consequências mínimas: algumas
vítimas talvez sejam salvas graças às novas disposições (isso já é muito), mas
horrores parecidos com os que mencionei vão acontecer de novo -e nunca teremos
como evitá-los, nunca teremos mesmo como preveni-los.
Desculpem-me se o tema da semana foi sombrio. Mesmo assim,
boas-festas a todos!
ccalligari@uol.com.br
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