15
de dezembro de 2012 | N° 17284
CLÁUDIA
LAITANO
Um disco e um
presente
Eu
gosto de gostar de Caetano – mas nem sempre gosto do que ele faz.
Caetano
Veloso, pra mim, é como aquele amigo de infância que você ama sinceramente, mas
com o qual tem cada vez menos contato. Não importa o quanto suas vidas se
distanciem, você sempre vai achar tempo para ouvi-lo. Mas essa velha amizade, às
vezes, parece se alimentar mais do eco distante de um big bang de afinidade do
passado do que de uma genuína comunhão de interesses do presente.
Até
que algo que ele diz ou faz reacende alguma coisa em você, despertando a
lembrança de todos os motivos pelos quais, afinal, esse amor discreto, mas
intenso, tornou-se um dos laços mais consistentes e permanentes da sua vida.
Achava
que passar um fim de semana inteiro ouvindo um disco de Caetano Veloso era
daqueles prazeres da juventude que eu nunca mais repetiria – como acampar,
virar a noite conversando com as amigas ou pedir carona na estrada (ainda bem
que meus pais não estão lendo isso...). Ledo e ivo engano.
Eis
que esse senhor de 70 anos recém-completados acaba de surpreender novos e
antigos fãs com canções que pedem para ser ouvidas não uma, mas várias vezes em
sequência – primeiro porque a sonoridade nos pega pelo cangote e depois porque
cada letra esconde um verso ou um jogo de palavras que vai se iluminando um
pouco mais a cada nova audição.
Ao
contrário de Chico Buarque, que no ano passado gravou um disco solar
acompanhado por músicos veteranos, Caetano compôs um álbum melancólico,
noturno, porém apoiado na energia renovada de jovens instrumentistas.
O
contraste entre a música que vai para um lado e a letra que parece ir para o
outro cria um estranhamento interessante em canções como O Império da Lei, uma
música alegre e dançante que lembra mortes estúpidas e impunes no interior do
Brasil: “O império da lei há de chegar no coração do Pará/ Quem matou meu amor
tem que pagar/ E ainda mais quem mandou matar”.
O
conteúdo político aparece também em Um Comunista, composição do não comunista
Caetano em homenagem ao guerrilheiro Carlos Marighela: “Vida sem utopia/ Não
entendo que exista/ Assim fala um comunista/ Porém a raça humana/ Segue trágica
sempre/ Indecodificável/ Tédio, horror, maravilha/ Ó mulato baiano/ O samba o
reverencia”.
A
canção que abre o disco é uma espécie de charada com título e refrão
provocativos (“A bossa nova é foda”), em que Caetano se diverte lançando pistas
para serem decifradas pelo ouvinte. O “bruxo de Juazeiro”, claro, é João
Gilberto, mas para encontrar Carlos Lyra no “magno instrumento grego antigo” e
Bob Dylan no “bardo judeu romântico de Minnesota” é preciso um pouco mais de
empenho.
A
doce e melancólica Estou Triste é tão linda, que vale a pena transcrever
inteira: “Estou triste tão triste/ Estou muito triste/ Por que será que existe
o que quer que seja?/ O meu lábio não diz, o meu gesto não faz/ Sinto o peito
vazio/ E ainda assim farto/ Estou triste tão triste/ E o lugar mais frio do
Rio/ É o meu quarto”.
Como
é bom voltar a gostar de quem a gente nunca deixou de amar.
Eu
também gosto de gostar de Luis Fernando Verissimo – mas desse eu gosto sempre.
O cronista mais lido e querido do Brasil voltou para casa ontem e em breve
volta para esta página também. Isto sim é presente de Natal: o resto é
lembrancinha.
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