28
de dezembro de 2012 | N° 17296
PAULO
SANT’ANA | MOISÉS MENDES (interino)
A síndrome
O
Sant’Ana está de férias. Mas não parem de ler só porque estou aqui como
usurpador deste espaço. Pablo anunciou que pretende passar duas semanas no
regime semiaberto. Vai andar por aí, ninguém sabe por onde, e poderá voltar
antes, a qualquer momento.
O
semiaberto impõe uma tentação diária. É como a abstinência para o alcoolista. O
preso do semiaberto repete para si mesmo: não some, não foge, não desaparece.
Há casos mais graves, em que o sujeito desiste do semiaberto e, ao invés de
fugir, deseja retornar ao regime fechado. O Sant’Ana já avisou que pode querer
voltar.
Entenda-se
o drama de Pablo. Só escreve com pulsação sobre o cotidiano quem divide uma
Redação com duas centenas de condenados a tentar entender o que se passa todos
os dias do lado de fora. Sant’Ana gosta dessa prisão porque aqui interage com
os outros presos. A comparação não é desqualificadora do ambiente de um jornal.
Alguns
médicos só se consideram médicos confinados em ambientes hospitalares. Há
engenheiros que só vivem a profissão monitorando a obra nos barracões. Sant’Ana
só é cronista por inteiro na Redação. As férias lhe tiram o prazer de poder
relaxar e comemorar, depois da tortura de encontrar um bom assunto e de
conseguir escrever a respeito – muitas vezes, algemado. Por isso a liberdade do
semiaberto é um sofrimento para viciados em regime fechado.
Há
uns cinco anos, visitei a ala de detentos do semiaberto de um presídio da
Serra. Chegavam no início da noite, todos de banho tomado, cheirosos, cabelos
lambidos. Vinham de casa, onde deixavam a mulher e os filhos, e iam passar a
noite com uma pilha de homens.
Um
moço grandão, cara de adolescente, arrombador de caixas eletrônicos, me contou
que teria mais quatro anos para ser tentado, todos os dias, a não voltar. Me
disse por que estava preso e me tranquilizou:
–
Nunca assaltei e nunca vou assaltar pessoa física. Só assaltei pessoas
jurídicas. Vou me regenerar.
À
noite, o arrombador dividia um lastro de cimento com outro preso, numa cela com
uns 40 detentos. Fiquei sabendo por um guarda que presidiários do semiaberto
enfrentam a síndrome do entardecer, quando têm de retornar ao presídio. Foi
esse guarda quem me falou dos que, no dilema do ir e vir, preferem voltar ao
regime fechado.
Cada
um que se entenda com as próprias prisões, como diria Paulo Coelho. Sant’Ana
pode estar em estado de sofrimento neste momento, com a síndrome caribenha do
entardecer. Acontece quando os turistas são obrigados a abandonar as águas dos
mares de azul-turquesa e se recolher a bares, restaurantes, shows, cassinos,
todos lotados.
Por
antecipação, Pablo sofre por não poder escrever sobre o assunto do dia. Só
refletir sobre o que se passa, olhando as gaivotas, é um desperdício para o
cronista. É preciso escrever, e diariamente, mesmo que às vezes isso seja um
suplício sombrio e úmido como a cela da solitária.
Você
entende. Pior do que férias no semiaberto, só férias em prisão domiciliar, numa
casinha de dois quartos invadida pelas dunas do Nordestão, com 10 parentes
dentro, incluindo a irmã da sogra e um ex-cunhado que veio de Rosário com uma
paleta de ovelha.
Pois
estou aqui, neste espaço, cumprindo parte da pena a que Pablo foi condenado. Só
espero que ele não desista logo do semiaberto e invente de voltar antes do
tempo. Pablito, te peço: curte as férias, te entrega ao ócio, resiste à
síndrome do entardecer e me deixa desfrutar por uns dias da fama e da glória
desta penúltima cela. Ou, como queiram, desta penúltima página.
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