quarta-feira, 12 de dezembro de 2012



12 de dezembro de 2012 | N° 17281
JOSÉ PEDRO GOULART

Lennon e Glauber

Eu lembro bem daquela manhã, estava num ônibus vindo da faculdade, era 8 de dezembro de 1980. Perto do meio-dia, na rádio, o locutor anunciou com a voz embargada o assassinato do Lennon. Logo vieram os primeiros acordes de Imagine, e as lágrimas – se havia alguma dúvida agora já era, os Beatles nunca mais. Era a primeira das duas fatalidades muito sentidas por mim no início dos 80, nove meses depois morreria o Glauber Rocha.

Artistas de um tempo remoto, Glauber e Lennon caíram fora da vida muito jovens, por volta dos 40 anos. A despeito da importância relativa que os dois tiveram, Lennon um pop star, remanescente do maior conjunto de todos os tempos, único com uma carreira sólida depois dos Beatles, morreu no ápice, atravessado pelo chumbo ordinário de uma bala traiçoeira.

Glauber, conflituoso e visionário artista ubíquo, cineasta brasileiro de raro destaque, e isso numa época em que o cinema recebia devoção religiosa em várias partes do mundo, morreu à míngua, desassistido, e patrulhado por suas posições políticas – havia dito, em plena ditadura militar, que o General Golbery do Couto e Silva era “gênio da raça”.

O autor dos disparos em Lennon trazia no bolso a bíblia da juventude americana, O Apanhador no Campo de Centeio. O livro dá voz a um adolescente que recusa a sociabilização. E enquanto recusa, acusa. Mordaz, blasfemo, o personagem metralha sua verve contra tudo, contra todos. Ler o Apanhador... dava a sensação de fazer parte de uma espécie de clube da luta contra o sistema.

As vidas dos dois, Glauber e Lennon, estão repletas de atitudes adolescentes. Lennon em especial; pousou pelado com Yoko numa época em que a nudez merecia manchete de jornal, de pijama, transformou um hotel em QG de protesto pela paz, e nunca deu sossego ao ex-companheiro McCartney. Foi catalogado, vigiado pelo FBI, mas, diferentemente do recluso J.D. Salinger, autor do livro que inspiraria seu assassino, Lennon nunca recusava um holofote.

Entre as diabruras juvenis de Glauber Rocha, consta a invasão do velório do Di Cavalcanti com câmera e equipe de filmagem. Ao lado do corpo, diante da família do artista, Glauber narrou o episódio quase como quem narra um evento esportivo. Listado pelo órgãos de repressão, santificado pelos críticos, praticamente ignorado pelo público, foi uma luz feérica de um país opaco, isso num período obscuro.

Lennon e Glauber, personagens emblemáticos. Suas vidas abreviadas os elevam à condição de mártires. Lembrar deles é fazer uma espécie de regressão emocional a um tempo em que uma câmera de cinema, ou uma guitarra elétrica, eram cultuados como equipamentos revolucionários. Mas é mera nostalgia, o desejo de mudança é pífio perto da vontade de aderir, fazer algum tipo de sucesso no grupo dominante. É só olhar em volta.

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