10
de dezembro de 2012 | N° 17279
CELSO
GUTFREIND
Tempo cheio de
vazio
O
passado já teve mais valor. O século 19 era pra lá de nostálgico e até mesmo
romântico. Havia muita presença da infância nas artes, em especial a poesia,
que conheço um pouco mais. As razões para isto são variadas e escapam ao espaço
da coluna. Ainda bem, porque me escapam também. Eu sigo buscando e, um dia
desses, achei uma delas: a expectativa de vida era menor.
Hoje,
a vida é mais longa. Ela chega a ser crônica para o poeta Leminski, mas passa
rápido para todos nós. A expressão “matar um leão por dia” lembra que logo
esquecemos tudo. “Brasileiro não tem memória”, idem.
Outro
aspecto que venho aprendendo tem a ver com a solidez dos encontros e a
profundidade dos vínculos. Que hoje sejam mais breves e líquidos, como diz o
Bauman, ajuda a entender a necessidade de buscar o novo. Sedentos de afetos,
nós não desistimos de encontrar os duradouros e sólidos. Não é ritmo de livro,
mas de filme, a Busca Frenética, de Polanski.
Não
se trata de apregoar a aposentadoria, e sim valorizar o vivido para encontrar
abrigo na lembrança, enquanto vivemos um drama. O psicanalista Viktor Frankl
utilizou esta ideia após a II Grande Guerra. Ele recebia pacientes que acabaram
de perder tudo. Antes fosse tudo: perderam todos, filhos, pais, esposa, marido,
a família inteira. Frankl fez arte da ciência, valorizando o sentido, no presente,
a partir do passado.
A
intenção é simples e, ao mesmo tempo, complexa. Se o filho existiu e houve
amor, há um bem inalienável, ninguém tira, nem mesmo o futuro, nem mesmo a
morte. O poeta John Keats, no passado, escreveu algo parecido: “Uma beleza é um
tesouro para sempre”.
E é,
embora poucos saibam. A própria poesia acusou o golpe, um século depois: “Em
que espelho ficou perdida a minha face?”, perguntou Cecília Meireles,
desesperada com a brevidade da existência. Mais desesperados estão hoje os
amantes, feridos da mortal certeza de que tudo acabou quando acaba. Como se o
presente ou o futuro tivessem muito poder frente ao passado.
Ou
pudessem roubar os tesouros da beleza bem guardada, quebrar os espelhos bem
olhados e apagar as faces bem vividas. Junta-se a eles a maioria dos pais,
machucados pela tristeza de ver os filhos partirem. Ao não levarem fé na
recordação, mãe e pai fazem vista grossa para o cofre da memória e acreditam
que o ninho está deserto.
Finalmente,
surge a legião de quase todos nós, habitantes de um tempo cheio de vazio,
carente de mitos e narrativas. Esvaziada a experiência, banalizado o encontro,
sequer podemos contá-lo para lembrar. Como viciados, necessitamos de tudo outra
vez, imediatamente. Não tem marca, não tem descanso, não tem permanência.
Eu
ia retomar o assunto, mas o tempo já terminou.
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