29
de dezembro de 2012 | N° 17297
PAULO
SANT’ANA
Os bisnetos de
Romana
A
classe C é o mais novo desconforto do Brasil. Há um temor quase silencioso com
o que vai virar essa ascensão da periferia. Fernanda Montenegro, por exemplo,
disse publicamente anteontem o que muita gente gostaria de dizer, mas apenas
sussurra em conversas de comadres.
Fernanda
está incomodada com a ampliação do espaço para personagens pobres e
caricaturais nas telenovelas. O que ela pensa é forte: “A classe média perdeu
lugar na ficção. Sinceramente, não aguento mais”.
E
você aí, o que diz? Eu tenho saudade de Avenida Brasil, da mesona da casa do
Tufão, do suco de laranja que todo mundo bebia em todas as casas (por que não
bebiam suco de uva, de limão, de jaca?), da gritaria, das bufadas da Carminha.
Nunca
tinha visto uma novela inteira. Aceitei Avenida Brasil na minha vida sem muito
esforço. Queria ter escrito aquela novela, ou dirigido, ou participado como
contrarregra ou como auxiliar técnico do Divino. Queria ter pensado aquele
final com aquele gol de pênalti. Que ciúme os atores devem ter sentido de
Murilo Benício, o nosso Al Pacino.
Pois
o problema, para quem ainda não se acostumou com a nova classe média suburbana,
é que esses ex-pobres agora são protagonistas. Em novelas das oito, em
aeroportos, em cinemas, em restaurantes, em filas de espera de carro zero. O
antigo núcleo de pobres das novelas é agora o núcleo central das tramas.
No
Brasil real, também será assim. As ruas do Brasil estão cheias de Tufões,
parentes e agregados. A universidade está sendo invadida por esse povo. A
música que toca é a que a classe C quer ouvir (prefiro música de caminhão de
gás, dessas que grudam no ouvido todo fim de semana, a ouvir trilha de novela,
mas a classe C é o mercado).
O
turismo investe cada vez mais na classe C. Produtos vagabundos são rejeitados
pelos ex-pobres. Até os fabricantes de blindagem para carros estão de olho nos
ascendentes. A questão é a concorrência que se estabelece com a velha classe
média.
Você
vai dizer que está tudo bem, mas que seu vizinho, seu cunhado ou seu primo de
fato se incomodam com os que subiram na vida. Que, pensando bem, há lugar para
todos, que tem carro e TV LED em abundância e que um dia haverá avião para toda
essa gente.
Fernanda
Montenegro é a nossa diva, a maior atriz brasileira de todos os tempos, e já
fez muitas personagens pobres, como a Dora que escrevia cartas para analfabetos
em Central do Brasil.
Fernanda
também foi Romana, a mulher do metalúrgico Otávio (Gianfrancesco Guarnieri), em
Eles não Usam Black-tie, o belo filme de Leon Hirszman, do início dos anos 80
(lembram daquela cena de chorar em que os dois escolhem feijão na mesa da
cozinha?). Romana é da época das greves no ABC paulista, do tempo da visão
romântica e distanciada que a classe média urbana tinha do pobre e dos
operários.
Os
netos e os bisnetos das Romanas e dos Otávios estão aí agora. Eles são a classe
C ascendente. As avenidas e as novelas do Brasil são deles. Não há o que fazer.
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