18
de dezembro de 2012 | N° 17287
FABRÍCIO
CARPINEJAR
Casaco é meu paizinho
Não
tenho sequer um objeto de meu pai.
Nenhum
cebolão antigo. Nenhum canivete suíço. Nenhum cachimbo. Nenhum cachecol. Nenhuma
caneta especial.
Ele
não me repassou talismã para lembrar sua importância. Não me chamou para o
escritório em separado a fim de antecipar a mínima partilha. Não redigiu uma
carta explicando o que era ser homem.
Mas
herdei de meu pai o que sou.
Quando
pequeno, eu o imitava. Hoje, ele me influencia.
Tenho
dele a risada larga, bonachona, uma gaita que impulsiona o rosto para trás e me
pede para fechar docemente as pálpebras.
Nosso
pulmão é carregado de sotaque, o pulmão é o nosso CTG.
Tenho
dele o jeito de cortar tomates na tábua, horizontal, absurdamente errado e
divertido.
Tenho
dele a mesma compulsão pelo atraso: sempre acreditando que posso fazer mais
alguma coisinha antes de sair.
Tenho
dele as mesmas distrações e desculpas furadas, as mesmas canetas explodindo nos
bolsos.
Tenho
dele o mesmo ímpeto de curar a raiva com uma caminhada pelo bairro.
Tenho
dele a barba da juventude, as brotoejas do pescoço e a tendência de levantar as
golas das camisas.
Tenho
dele a adoração por sentar em balcões e experimentar pastéis em cidades
estranhas.
Tenho
dele as pernas tortas e os olhos puros de medo.
Tenho
dele a vontade de cheirar o cangote dos filhos.
Tenho
dele a mania por esculturas de cavalos e Dom Quixote.
Tenho
dele a compulsão por riscar livros e escrever diários por códigos.
Tenho
dele o dom de perder dinheiro e juntar amores.
Tenho
dele o costume desagradável de gemer diante de um prato favorito.
Tenho
dele igual fé em Deus e oro quando vejo o mar ou o pampa.
Meu
pai está espalhado pelo meu caráter. Não preciso nada dele. Nem uma vírgula
emprestada. O que é uma lembrança para quem tem todo o seu passado?
Cada
gesto que vim a aprender ao longo da vida é o esforço arredondado de copiar sua
letra e repassar seu temperamento ao papel vegetal da literatura.
Ele
está escondido em meus dias. Invisível e forte como o vento.
No
momento em que viajo de avião, acabo me protegendo do frio transformando o paletó
em cobertor. O casaco fica invertido, de frente para mim, com as mangas
cruzadas nas minhas costas.
Aquele
casaco é também meu pai me abraçando.
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