22
de dezembro de 2012 | N° 17291
CLÁUDIA
LAITANO
Gangnam Style e o apocalipse
Quando
2012 for apenas uma página metaforicamente amarelada na Wikipédia, dois eventos
globais serão associados ao ano que está terminando: o sucesso do clipe da música
Gangnam Style e a suposição de que o mundo poderia acabar no dia 21 de dezembro.
Excluindo-se a compreensível percepção de que ouvir Gangnam Style sem parar
durante boa parte do ano já foi a própria antessala do apocalipse, é possível
identificar pelo menos dois elementos em comum entre a dancinha do cantor
coreano Psy e a suposta profecia maia.
Para
começar, ambos fizeram rir. Um artista que contasse apenas com o próprio
talento musical talvez tivesse um pouco mais de dificuldade para alcançar, em
apenas cinco meses, a estratosférica cifra de 1 bilhão de visualizações no
YouTube (a marca, inédita, foi atingida ontem).
Mas Psy conquistou a atenção do
mundo não porque é o novo Michael Jackson, mas porque milhões de internautas de
todas as idades acharam engraçado compartilhar o vídeo em que um sujeito
gordinho monta um cavalo imaginário enquanto canta em um idioma incompreensível.
Também
do fim do mundo versão 2012 pode-se dizer, com alguma tranquilidade, que, ao
contrário de anúncios anteriores do apocalipse iminente, este ninguém levou a sério.
Nenhuma seita perdida nos confins do Planalto Central, nenhuma tribo obscura
nos recônditos do México, nem mesmo aqueles malucos urbanos sempre tão
dispostos a adotar a última crença pret-à-porter disponível no mercado: ninguém
apareceu para reivindicar contrição e abrigos antimeteoros.
(O máximo
que os descendentes da civilização maia reivindicaram foi o direito de promover
o turismo usando como chamariz uma interpretação estapafúrdia de um calendário,
o que parece ter sido suficiente para levar milhões de turistas do apocalipse
para a região do sudeste mexicano.) O fim do mundo como o conhecemos em 2012
foi, acima de tudo, uma inesgotável fonte de piadas – muito mais do que de metáforas.
O
segundo elemento em comum entre os coreanos e os maias é ainda mais decisivo
para entendermos a época em que vivemos: trata-se do visível descompasso entre
o tamanho original desses dois assuntos e a dimensão que acabaram tomando. Como
se o vídeo do seu cachorro correndo atrás do rabo ou o do seu gato se espreguiçando
no sofá fosse parar não apenas no Jornal Nacional, mas no cinema, no rádio e
nos computadores pessoais de milhões de pessoas ao redor do planeta.
Se o
número de fãs que genuinamente curte Gangnam Style é muito menor do que aquela
cifra de 1 bilhão de visualizações no YouTube sugere, boa parte deste fenômeno é
baseada numa multidão que não existe no mundo real – como aqueles investimentos
sem lastro que causaram a crise de 2008. Da mesma forma que a possibilidade do
fim do mundo, onipresente na mídia nos últimos dias, nunca realmente existiu, a
não ser como blague coletiva explorada até a última gota de nada na nadésima
potência.
As
melhores e as piores ideias já produzidas pelo homem contemplavam a utopia de
uma humanidade guiada em bloco por um mesmo ideal coletivo. Religião, ideologia
ou mesmo o medo de que o planeta se transforme em um pastel flutuante no espaço
ainda não chegaram perto de produzir qualquer tipo de unanimidade global. Mas a
internet pode estar mudando isso.
O que temos aprendido nesses primeiros anos
de rede mundial é que, quanto menos se pretende dizer, maior é a chance de que
o mundo inteiro esteja disposto a parar para ouvir.
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