Martha
Medeiros
Também tenho meu lado
cachecol e botas, mas se fosse obrigada a escolher uma de mim, nunca mais
descalçaria o chinelo de dedos.
Os Solares
Quando pequena, sentia um orgulho
bobo de ser de Leão, só porque o planeta regente desse signo era o Sol. Afora esse detalhe, não sabia nada sobre
astrologia, mas agora passei a levar o assunto mais a sério e reconheci de vez
o dinamismo relacionado ao astro rei.
Sou mais verão do que inverno,
mais mar do que campo, mais diurna do que noturna. Intensamente solar, e isso
é, antes de tudo, uma sorte, pois sem essa energia vital eu provavelmente teria
tido um destino mais sombrio.
Ainda assim, conheço outros
“solares” que são de Touro, Libra, Gêmeos e demais signos – é uma
característica que, mesmo quem não a herdou do cosmos, pode e deve desenvolver.
Gente é pra brilhar, já dizia outro leonino.
Não vou continuar me referindo
aos astros, pois não é minha praia. Minha praia é Torres, Ipanema, Maresias,
Mole, Sancho, Porto de Galinhas, Espelho, Ferradurinha, Quatro Ilhas e demais
paraísos distribuídos por esse Brasil cuja orla é um exagero
de radiante.
Quando penso que minha cidade
preferida fora do país é Londres, fico até ressabiada com este meu perfil
camaleônico, capaz de me fazer sentir em casa num lugar cujo sol não é visita
constante. Mas é preciso passear por todos os pontos antagônicos da nossa
personalidade – ninguém é uma coisa só. Também tenho meu lado cachecol e botas,
mas se fosse obrigada a escolher apenas uma de mim, nunca mais descalçaria o
chinelo de dedos.
Não vejo o solar como alguém
espalhafatoso. Pode ser discreto no agir, mas ele tem uma luz íntima que cintila,
que se manifesta nos seus impulsos criativos, nas suas ideias que magnetizam.
Ele não precisa de extravagâncias para atrair. É uma pessoa que naturalmente se
dilata, que abre espaço para o novo, que circula por várias tribos, que faz do
seu prazer de estar vivo uma
natural ferramenta de
sedução.
O solar tem seus momentos de
introspecção, normal. Não há quem não precise de um recolhimento para
recarregar baterias, fazer balanços, conectar-se consigo próprio. Mas ele
volta, sempre volta, e vem ainda mais expressivo em sua vibração espontânea. Há
pessoas que possuem uma nuvem preta pairando sobre a cabeça.
São criaturas carregadas, pesadas
– a gente percebe só de olhar. Uma tempestade está sempre prestes a desabar
sobre elas. Respeito-as, ninguém é assim porque quer, mas considero
uma bobeira defender o azedume
como traço de inteligência. Os pessimistas se acham mais profundos que os
alegres. Não são.
“She´s only happy in the sun”,
canta Ben Harper, e faço de conta que ele se inspirou em mim, mesmo sem eu
saber quem é “she” – pode ser a iguana do cara, vá saber. Que seja. Iguana,
toque aqui. Sol combina com erotismo
(que tons de cinza, o quê), com bom humor, com leveza, com sorriso luminoso,
com água cristalina, com calor, música, cores, vida.
Quando ele se põe, me ponho
junto, mas não apago: quando estou no escuro, me dedico aos vaga-lumes.Também
tenho meu lado cachecol e botas, mas se fosse obrigada a escolher uma de mim,
nunca mais descalçaria o chinelo de dedos.
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