11
de dezembro de 2012 | N° 17280
CLÁUDIO MORENO
Borges
(1)
Por
quase cinquenta anos – e meio século não é pouco! –, Adolfo Bioy Casares
manteve com J. L. Borges uma conversação ininterrupta, praticamente diária. Os
dois amigos escreviam juntos, trabalhavam juntos e almoçavam juntos; Borges era
uma presença obrigatória na rica propriedade dos Bioy, onde tinha um lugar
reservado à mesa, como se fosse membro da família.
Neste
convívio privilegiado, falavam sobre a vida, a morte, as mulheres, a
literatura, a vida cultural da Argentina e do mundo, e tudo isso teria se
perdido para sempre se Bioy, consciente da genialidade do amigo, não tivesse
registrado essa conversa descontraída em que Borges aparece quase sempre rindo-se
das coisas, das pessoas e dos autores que ambos conheciam, falando com a
franqueza de amigos íntimos.
Ora,
em se tratando de Borges nada pode ser banal – e o resultado foi um portentoso
volume de mais de 1600 páginas, grosso demais para uma leitura confortável, o
que me fez fatiá-lo em três tomos menores, que mandei encadernar
individualmente. Não canso de visitar esta enorme coleção de incidentes, peripécias,
anedotas e confissões, que me parece, assim como as obras de Montaigne e de
Plutarco, uma fonte inesgotável de divertimento da melhor qualidade – e dela
extraí alguns exemplos que irei, pouco a pouco, compartilhando com o leitor.
Em
sua complicada relação com as mulheres, Borges casou apenas uma vez. Já maduro,
desposou uma antiga namorada, Elsa Astete, com a qual manteve uma infeliz e
tumultuada relação que não chegou a durar três anos. No dia em que ocorreu a
audiência de separação, Borges foi, como de costume, jantar na casa de Bioy,
que o achou espirituoso e divertido. E no tribunal, como tinha sido? Borges
contou que tinha entrado depois de Elsa e aproveitado para revelar ao juiz várias
coisas que não tinha posto por escrito na petição “para manter o nível do
decoro”.
O
juiz, no entanto, parecia ouvi-lo com extrema impaciência, o que Borges tomou
como um péssimo sinal, pois tudo indicava que ele já estivesse convencido pelo
que lhe dissera a mulher. Ao final, veio a surpreendente explicação de toda
aquela pressa: o juiz estava ansioso para ler alguns de seus sonetos para que
Borges avaliasse. “Elogiei-os com o devido entusiasmo”...
Então,
julgando-se com sorte, resolveu ir mais longe: como sabia de que cidade
provinha o juiz, disse-lhe que tinha ali um grande amigo, um tal de Fonseca
Lugones, que havia matado, na praça, por razões políticas, um tal de Cáceres. “Pois
esse Cáceres” – disse o juiz – “era meu pai”.
Ao
que parece, esse desastrado desfecho não o abalou; aposto, ao contrário, que
foi exatamente essa cruel coincidência, essa reviravolta caprichosa do destino
a causa de Borges aparecer tão faceiro, à noite, no jantar: tinha sido, por um
momento, personagem de um conto que ele próprio poderia ter escrito.
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