20
de dezembro de 2012 | N° 17289
ARTIGOS
- Guilherme Socias Villela*
Gaudêncio Sete Luas anda
triste
por “Quem
quer levar oferendas pra Gaudêncio em noite escura, leve bom trago de venda,
mate amargo e rapadura.”
Luiz
Coronel
Gaudêncio
é um velho taura. Romântico. Criado pela imaginação de uma mente privilegiada. Um
vivente de campanha que um dia “pulou a cerca da vida”. Onde Gaudêncio anda
hoje, ninguém sabe. Comenta-se que aquele xiru fantástico nasceu no pampa gaúcho.
Aquerenciado
naqueles tapetes verdes. Pastos bíblicos. Arbustos. Umbus solitários. Casuarinas.
Céus azuis emoldurando nuvens brancas – por vezes sombrias, chamando os
temporais que afastam os pássaros. Rebanhos de gado. Ovelhas. Cavalos de
variadas pelagens. Vez por outra, a lo lejos, se vê um ginete – um centauro
rodeado de cuscos amigaços, fiéis, prontos a avançar sobre raposas e javalis
invasores.
Ah! O
fascinante pampa gaúcho.
Todavia,
na querência das almas dos justos, onde deve estar o velho Gaudêncio, ele deve
ter notado que as melodias dos cantos do seu tempo vêm mudando. Pois o velho
andou espiando, entre uma nuvem e outra, e percebeu que a música nativista vem
sendo, aos poucos, contaminada por sons estranhos. Escutou, esses dias, a música
sertaneja se intrometendo. Ouviu melodias do seu tempo emolduradas por uma
bateria própria de animados rocks musics. Guitarras elétricas. Até um órgão
apareceu – com suas pedaleiras e tubos vibrando em sons desajeitados. Só faltou
harpa.
Pois,
além disso, o velho Gaudêncio assistiu, na televisão (deve ter sido em algum
canal celeste de assinaturas), o desfile temático da Semana Farroupilha deste
ano. (Desta vez, nele incorporaram descendentes de novos imigrantes – dentre
outros, alemães, italianos e poloneses – como importantes na produção das
riquezas do pago). Mais recentemente, viu o Encontro de Artes e Tradição Gaúcha,
em pleno parque da Oktoberfest de Santa Cruz do Sul. Nos dois eventos, o velho
ficou fascinado.
Contudo,
meditando na sua sabedoria campeira, percebeu – desconfiado que nem cavalo
torto – que muitas coisas vêm mudando no pampa. Atualmente, nas estâncias mais
progressistas, se fala em genética de bovinos, pastagens artificiais,
confinamento, certificação, rastreamento dos rebanhos de gado destinados aos
mercados internacionais, além de chips nas orelhas dos novilhos e outras coisas
inimagináveis para o seu tempo.
(Mudaram
as relações de produção e trabalhistas.) Ademais, viu águas resplandecentes nas
plantações de arroz; viu matos de eucaliptos e, novidade, imensas extensões de
terras pampianas preparadas para o plantio de soja – nunca tinha visto isso em
seu tempo do lado de cá! É o progresso, pensou. É bueno!
Por
fim, voltando para o seu canto, mateando, o velho Gaudêncio aprontou-se para um
jogo de osso e um truco gaudério. De longe, ainda olhou, com saudade, para uma
sanga que conhecera em vida. Nela viu um peixe de prata – era sua adaga, que,
quando partiu, havia atirado no fundo do rio.
Como
disse seu talentoso criador, se alguém vir “um pássaro bater asas, é Gaudêncio
envolto em plumas”.
Gaudêncio
Sete Luas partiu, de novo. Meio triste.
*ECONOMISTA,
EX-PREFEITO DE PORTO ALEGRE
Nenhum comentário:
Postar um comentário