24/12/2012
e 25/12/2012 | N° 17293
FABRÍCIO
CARPINEJAR
Um copo d’água para Paulo
Marinho
Caminhava
pelo aeroporto de Congonhas, esbaforido, suportando a terceira troca de portão
da companhia aérea.
Alguém
me chamou.
Virei
o rosto já acenando.
Observei
um homem encolhido numa cadeira de rodas, em área reservada aos que
necessitavam de cuidados.
Não
reconheci. Pela pressa do voo, não lancei atenção demorada. Bati a mão no peito
fortalecendo o cumprimento. Deduzi que fosse um leitor ou algum espectador. Agi
com brevidade simpática.
Quando
retomei meu rumo, sua voz ainda me agarrou:
–
Você me amou e me abandonou!
Conferi
de novo seu vulto, intrigado com a força da sentença.
Quem?
Não me parecia estranho: barbudo, 50 anos, sotaque gaúcho.
Avancei
assim mesmo pelos corredores.
Colega
de aula? Da turma da adolescência? Do bairro Petrópolis?
Os
olhos amendoados e esverdeados me intrigavam. Teria sido um confidente? Como
que me esqueci?
Os
olhos ávidos (não carentes), de quem mesmo?
Os
olhos dele continuavam grudados em mim enquanto eu arrastava a mala.
O
medo de ter sido ingrato me consumia.
Entrei
na fila do embarque. Ao entregar a passagem para o comissário, reconheci
tardiamente o rosto. Ai, Meu Deus. Abandonei a fila, dei meia-volta em direção
ao saguão e corri para encontrá-lo.
Fui
gritando de longe, pedindo desconto pelo lapso:
–
Paulo Marinho! Paulo Marinho!
Ele
me enxergou vindo e sorriu. Sorriu bonito. Sorriu vingado. Sorriu refeito.
Só
desejava que eu me recordasse dele.
O
que mais deseja um doente do que um copo d’água e ser lembrado?
Fragilizado
pelo câncer, Paulo Marinho não era mais a figura que conhecia: um fiapo, os
braços derrubados, a fala arrastada.
Muito
diferente do tempo robusto de nossa convivência, quando ele pescava, viajava,
contava histórias de seus amores com galhardia e metáforas.
Muito
diferente da época em que ele escrevia crônicas maravilhosas no Vale do Sinos e
armava animados churrascos em Sapucaia.
Neguei
sua fisionomia para negar sua doença. Infelizmente não queremos nos incomodar
com amigos vulneráveis no período. Eles devem aguardar o fim das festas. Não é
que não identificamos, tememos enfrentar o sofrimento que vem com a intimidade.
Mas
seus olhos foram mais rápidos do que minha indiferença. Mais moleques. Mais guris.
Recobrei seu nome pelos olhos infantis. Seus olhos não perderam a curiosidade
com quem atravessa sua frente e a esperança de ser amado.
No
Natal, não deixe nenhum amigo anônimo no hospital ou no aeroporto.
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