Os cartões de Natal da
Dometila
Nos
primeiros dias de dezembro, pontuais como a Feira do Livro, a chegada das
flores da primavera nas ruas de Porto Alegre e as decorações de fim de ano dos
shoppings, entregues pelos carteiros, há décadas, chegam as dezenas de cartões
de natal da Dometila.
Os
endereçamentos e as mensagens nos cartões são manuscritos com caligrafia
caprichada, letras desenhadas, como convém a uma professora jubilada. Viúva há
40 anos, Dometila tem 93 anos, filhos, netos e bisnetos, mas, independente e
saudável, mora sozinha, caminha, faz exercícios, toca piano, canta, viaja, faz
trabalho voluntário e procura não ter tempo para se queixar das pessoas ou da
vida.
Num
mundo onde a pressa, a impessoalidade, a descortesia e os meios eletrônicos
imperam, o recado impresso, educado e calmo de Dometila é sempre uma
inspiração, uma esperança, uma delicadeza e mostra que o tempo não acaba com
hábitos simpáticos, como os de enviar cartões impressos, dar bom dia, boa
tarde, boa noite, pedir licença, desculpas, chegar na hora e dizer muito
obrigado.
Outras
pessoas, no lugar dela, talvez desistissem de enviar as mensagens e,
provavelmente, se queixariam que a maioria dos destinatários não responde, não
liga, não tem tempo e tal e tal. Mas a baixinha Dometila é determinada, tem
consciência da sua missão e gosta de fazer a sua parte, sem ficar esperando
pela dos outros. Ela sente e sabe que não se trata apenas de enviar para os
parentes e amigos um recado impresso nas festas de fim de ano. É muito além
disso. Um enorme sim para a vida, um desejo de que os humanos não deixem de
trocar energias boas.
É
muito. É o principal e o imprescindível. Os cartões de Dometila parecem um
pouco mensagens que náufragos colocam nas garrafas, esperando que alguém leia o
S.O.S. e responda. Parecem um pouco, só. Dometila não é náufraga, nem pretende
ser. Não gosta nem de pensar em naufrágios. O negócio dela é seguir navegando,
tocando seu barquinho, mesmo contra ventos e marés.
Se,
por acaso, um dia ela naufragar, ficarão as mensagens, o exemplo e o recado de
que nem tudo neste mundo barulhento, caótico e doido está perdido. Os cartões
da Dometila mostram que a elegância e o afeto devem continuar e que o ser
humano tem esperança e jeito.
Jaime
Cimenti
Nenhum comentário:
Postar um comentário