15
de dezembro de 2012 | N° 17284
NILSON
SOUZA
A lenda da
verdade
Em
tempo de guerra – diz o velho deitado –, mentira é como terra. Desde que o
julgamento do mensalão entrou na programação das tevês brasileiras,
instaurou-se uma verdadeira guerra de versões e perversões no país,
caracterizada pelo fogo cruzado entre representantes e simpatizantes do governo
e dos diversos partidos políticos. Todos, evidentemente, acusam seus opositores
dos piores crimes e reivindicam para si próprios o monopólio da moralidade. Na
fumaceira desse entrevero, esconde-se a verdade – sempre a primeira vítima das
escaramuças motivadas por paixões e ideologias.
Depois
de séculos de impunidade, o povo brasileiro estava tão sedento de vingança
contra os saqueadores da pátria, que passou a confundir justiça com
justiçamento. O que mais se ouve por aí é que todos os acusados devem ir para a
cadeia – sejam eles culpados ou apenas suspeitos.
A
presunção popular é de que quem está sendo julgado deve ter alguma culpa em
cartório. Se for político, então, já carrega o pecado original da atividade que
escolheu. Esse sentimento é compreensível, mas perigoso, pois contém o germe do
autoritarismo. Além disso, num clima de caça às bruxas, fica ainda mais difícil
de encontrar esta senhora desejada e misteriosa chamada Verdade.
Gosto
muito de uma lenda que expressa bem essa dificuldade. Conta que Deus enviou a
Verdade à terra dos homens na forma de um enorme espelho. Ao ingressar na nossa
atmosfera, porém, o espelhão partiu-se em milhares de pedaços, que caíram sobre
todos os continentes.
As
pessoas entenderam que o espelho significava a verdade, mas nunca souberam que
estava partido. Então, aquele que encontrava um dos fragmentos pensava que
tinha nas mãos a verdade absoluta, quando na realidade possuía apenas uma
pequena parte dela.
Assim
é a nossa visão de mundo. Nossa verdade sempre parece mais autêntica do que a
do vizinho – especialmente quando ele tem aparência diferente da nossa, outra
visão de mundo, quando fala outra língua ou professa outra religião. Nosso
pequeno pedaço de verdade sempre brilha mais, e raramente nos vemos refletidos
no espelho alheio.
Transpondo
para a realidade política brasileira, pressinto que estamos vivendo um desses
momentos de total irracionalidade. No vale-tudo para alcançar o poder ou para
se manter nele, quem é flagrado em delito argumenta que todos fazem a mesma
coisa. Quem é punido pela Justiça exige que seus rivais também o sejam, quando
não levanta suspeita sobre as reais motivações dos julgadores.
Cada
um olha apenas para o próprio espelho.
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