19
de dezembro de 2012 | N° 17288
PAULO
SANT’ANA
Ainda a felicidade
A
roda estava animada quando surgiu o dr. Fernando Lucchese, o famoso, renomado e
competente cardiologista.
E
Lucchese já foi entrando de sola: “Não concordo com a tua tese, Sant’Ana, de
que a felicidade não existe e de que, se ela não existe, o dever do homem sobre
a Terra é buscar apenas ser menos infeliz. A minha tese é de que a felicidade
existe”.
Um
dos integrantes da roda gritou para Lucchese: “Só existe uma maneira de ser
feliz: é possuir um jatinho. Se vocês não sabem o que é um jatinho, eu explico:
é não ter hora nem data para embarcar, poder embarcar a qualquer hora ou data
na direção de qualquer paraíso, sem ter de marcar passagem, sem ter de passar
por check-in, por nada, isso é a felicidade”.
O
Ibsen Pinheiro, que estava atento ao debate, interveio airosamente: “Não é nada
do que vocês estão dizendo. É feliz, só é feliz, quem se sente feliz. Pode a
pessoa ser um desempregado, um pobre, um desdentado, se se sente feliz, eis aí a
felicidade”.
Um
gaiato que estava sendo servido pelo garçom obtemperou: “Como pode um
desempregado, desdentado e pobre ser feliz?”.
Ao
que eu ajuntei que não adianta a pessoa considerar-se feliz. O que interessa é se
ela é realmente feliz. Como vou considerar que uma pessoa que se diz feliz o é realmente,
se todas as suas circunstâncias são fatores decisivos para a infelicidade? Uma
pessoa que não tem nada para ser feliz e afirma categoricamente que é feliz não
passa de um idiota.
Por
sinal, reforça uma tese antiga minha de que todos os idiotas são felizes.
O dr.
Lucchese só teve tempo, no meio daquele tiroteio verbal e intelectual, para
anunciar que dentro de um mês estará lançando um livro em que explicará a
felicidade.
Mas
foi tanta a vaia que Lucchese recebeu quando disse que a felicidade existe, que
ele deu um jeito de se retirar da roda e ir pregar o seu otimismo em outra
freguesia da festa.
O
fato é que esta discussão sobre a felicidade foi anos atrás lançada por esta
coluna. É um assunto que apresenta grandes rendimentos por um motivo: todos se
interessam por ele, não há quem não pretenda ser feliz e muitos querem saber da
possibilidade de alcançarem essa sua meta.
Vinícius
de Moraes já definiu muito bem a felicidade: “A felicidade é como a pluma/ que
o vento vai levando pelo ar/ balança leve/ mas tem a vida breve/ precisa que
haja vento sem parar./ A felicidade do pobre parece/ a grande ilusão do
Carnaval/ a gente trabalha o ano inteiro/ por um momento de sonho/ pra fazer a
fantasia/ de rei ou de pirata ou jardineira/ e tudo se acabar na quarta-feira”.
Ou
seja, os sábios Vinícius de Moraes e Vicente de Carvalho já definiram a
felicidade como apenas efêmera.
E o
segundo foi mais longe e fundo quando afirmou: “Esta felicidade que supomos/ árvore
adorada que sonhamos/ toda arriada de mimosos pomos/ existe sim, mas nós não a
encontramos/ porque está sempre apenas onde a pomos/ mas é que nunca a pomos
onde estamos”.
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