quinta-feira, 13 de dezembro de 2012



13 de dezembro de 2012 | N° 17282
J. A. PINHEIRO MACHADO

O humor volátil do público

O bem que um homem faz é enterrado com seus ossos. Que seja assim com César – discursou desconsolado, em lágrimas, o fiel Marco Antônio. Diante dele, o cadáver de Júlio César, coberto com a túnica ainda ensanguentada pelas punhaladas de Brutus, nos idos de março de 44 a.C. O povo de Roma, depois de adorar o generoso César, aprovara com entusiasmo seu assassinato. E, agora, ali, depois de ouvir o irresistível Marco Antônio, a multidão chorava. Em seguida, sairia à caça de Brutus.

A peça de Shakespeare que recuperou esses fatos, escrita em torno de 1600, talvez seja a parábola mais veemente jamais produzida sobre a fragilidade do poder e do humor da opinião pública. Getúlio Vargas, os governos militares e, agora, talvez Lula – que o digam.

Sábado passado, na inauguração da Arena do Grêmio, ocorreu um fato ilustrativo dessas voláteis relações do público e seus líderes. Na festa magnífica, chegou o momento de um constrangido Paulo Odone, no centro da Arena, declarar inaugurada a obra magnífica. Ali estava um presidente derrotado pelas urnas que, de forma veemente, lhe recusaram um novo mandato. Suspense.

Como se comportaria o público? O grande líder da empreitada foi recebido com palmas que começaram polidas e respeitosas – uma espécie de reconhecimento justo e protocolar.

Mas... em seguida, aos poucos, o aplauso burocrático cresceu, e se transformou numa ovação delirante, quase apaixonada. E o presidente chorou. À minha volta, velhos torcedores e muitos jovens tinham começado a bater palmas bem sentados, mas de repente saltavam em gritos e vivas. Como se um sentimento de excepcional justiça política tivesse se espalhado pela multidão: a derrota nas urnas não maculava o imenso triunfo daquele momento, nem a celebração do seu líder.

É inevitável constatar o parentesco desse incidente porto-alegrense com um episódio que marcou o final da II Guerra Mundial. Em meio à festa da grande vitória contra o nazismo, que uniu ingleses, norte-americanos e russos, conservadores e comunistas, por uma coincidência o primeiro-ministro Winston Churchill – o líder do triunfo na guerra – enfrentava eleições gerais na sua Grã-Bretanha.

Ele, como todo mundo, tinha absoluta certeza do sucesso eleitoral. Mas não passou pela cabeça de ninguém que a velha Inglaterra, cansada de guerra, estava encantada com as promessas de bem-estar social do seu adversário, o trabalhista Clement Attlee.

Para surpresa geral, Churchill, perplexo, sofreu esmagadora derrota eleitoral, e renunciou ao cargo de primeiro-ministro. Existe um mito, que até hoje perdura, sobre a ingratidão do povo britânico perante o homem que conduziu os aliados à vitória. Trata-se de um engano. Na verdade, os ingleses faziam suas apostas no futuro. Mas, como a torcida do Grêmio no sábado, essa escolha não significava subestimar o líder de um dos maiores triunfos de sua história.

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