14
de dezembro de 2012 | N° 17283
DAVID
COIMBRA
Nunca mais vou
dançar
Virei
um moloide, depois que meu filho nasceu. Não foi de uma hora para outra. Um
analista amigo meu, certa feita, disse-me que o ser humano “é muito lento”.
Bom. Sou ainda mais lento. A mudança vai acontecendo, acontecendo e, de
repente, acontece quase que sem que eu perceba. Aí se transforma em crise. Que
se transforma em dor. Por que não mudei racionalmente, inteligentemente,
ponderadamente, para evitar todo esse processo doloroso?
Maldição.
Mas,
como dizia, fui me amolentando aos poucos, após me tornar pai. Hoje sou um
molenga completo, sobretudo no que se refere a crianças. Aqueles meninos de
cabecinha redonda e grandes olhos tristes que passam fome no Chifre da África,
basta vê-los por 10 segundos na TV e já me marejam os olhos. As crianças de
países árabes que fogem de bombardeios puxadas pela mão da mãe, assistir a
essas cenas me deixa com uma bola na garganta.
Mas
não precisa ser uma tragédia internacional. Pode ser uma decepção arrabaldina.
Agora mesmo, 462 crianças de creches e escolinhas iam se apresentar no Araújo
Vianna, e não puderam. Ensaiaram desde outubro para o grande dia, vibrantes de
expectativa.
Chegado
o grande dia, a Secretaria de Educação cancelou a apresentação porque faltaram
“parceiros” para bancar os gastos com limpeza, segurança e transporte. Na
página 42 da Zero de ontem há uma foto das meninas de cinco anos de idade
sentadas no chão, com asinhas coloridas coladas às costas, elas que seriam
borboletas no teatro. Uma delas, Sara, está com os bracinhos cruzados em frente
à barriga, fitando o vazio. Com olhos rasos d’água, ela disse para a mãe:
–
Nunca mais vou dançar.
Uma
história trivial, mas me comoveu. Suponho que a Secretaria de Educação tenha
coisas mais importantes com que se ocupar. Orçamentos. Calendários. Folhas de
pagamento. A desilusão de quatrocentas e tantas crianças não entra nesses
cálculos, nem pode ser medida. A despesa não havia sido prevista? Não foram
encontrados patrocinadores? Paciência, cancele-se a apresentação, o choro das
crianças não vai tirar a secretaria do prumo.
Muito
racional. Eu, se fosse secretário ou prefeito, não conseguiria agir assim. Eu
suspenderia todas as minhas tarefas do dia e daria um jeito de manter o
espetáculo e não decepcionar as crianças. Sei que não é impossível. Quando se
quer, é possível, e eu quereria. Seria uma tolice, talvez. Seria uma ação
motivada pela emoção, não pela razão. Que fazer?
Virei,
realmente, um moloide.
Nenhum comentário:
Postar um comentário