23
de dezembro de 2012 | N° 17292
O
CÓDIGO DAVID | DAVID COIMBRA
A DERROTA DE PAPAI
NOEL
Após
tão criteriosa quanto dolorosa reflexão, decidi: Papai Noel ficará sem o bico
do meu filho, neste Natal. Sim, sei que ele (meu filho, não Papai) já está com
cinco anos de idade, que muitos de seus contemporâneos andam por aí sem bico e
tudo mais, mas não lhe roubarei agora esse prazer de primeira infância. Até
porque percebi que ele está travando uma feroz luta interna para conseguir essa
renúncia. Vem pensando no assunto, buscando paradigmas. Dias atrás, comentou:
–
Papai, sabia que o João Jorge ainda chupa bico?
– É?
Como é que tu sabe?
–
Foi o João Francisco quem me disse...
A
busca de paradigmas.
Em
derradeira análise, não vejo grande mal nesse hábito, desde que ele não o
mantenha até os vinte e tantos anos de idade. Os dentistas falam que os dentes
ficam tortos, mas os dentistas também falam que café escurece os dentes, E EU
NÃO VOU DEIXAR DE BEBER CAFÉ, ENTENDERAM???
Eu
com meu café, ele com seu bico. Suspeito, inclusive, que o mundo seria melhor,
se todas as pessoas chupassem bico. Noto que meu filho, quando está estressado
porque, sei lá, a rodinha do Batmóvel dele caiu ou sua amiga Biela (Gabriela)
insiste naquela brincadeira de casamento de príncipes ou o Gloob sai do ar bem
na hora dos Robôs Invasores, quando algumas dessas coisas terríveis acontece,
ele encontra conforto metendo o bico entre os dentes. Fica lá chupando, inhup,
inhup, inhup, muito concentrado, e então relaxa, e fica tudo bem.
Essas
pessoas agressivas, quando estão no limiar de cometer um desatino, se tivessem
um bico para chupar, não o cometeriam, tenho certeza. O cigarro mesmo é um
substituto do bico. É verdade que há cinco minutos guardados dentro de cada
cigarro. Cinco minutos de ponderação. O homem, ao parar para fumar, realmente
para. Cessa tudo. Pensa. E, em geral, se acalma. Só que cigarro dá câncer,
impotência, mau hálito e todas aquelas coisas horríveis que o Ministério da
Saúde bota no verso dos maços. Logo, a solução é o bico. Vamos substituir o
cigarro pelo bico. E viver em paz, enfim. Você perdeu, Papai Noel.
Para
parar com para Repare nesta frase que escrevi no texto principal:
“O
homem, ao parar para fumar, realmente para”.
Pensei,
antes de escrever isso. Esse pequeno jogo com parar, para, para. Nada de especial,
sei, só eu me divirto, mas a coisa toda perde a graça sem o acento. Aí está.
Tiraram o acento do para. Como puderam fazer isso? Essa reforma ortográfica...
Já me acostumei a escrever ideia sem acento, embora não ache boa ideia, mas
como ordenar que alguém pare:
–
Para!
Como
dar essa ordem drástica sem acento? Ao perder o acento, para perdeu sua força,
feito um Sansão calvo. Ninguém interrompe sua ação por causa de um para sem
acento. A pessoa pode muito bem perguntar:
–
Para onde?
E
seguir em frente.
Francamente.
Só chupando um bom bico para não se irritar com a reforma ortográfica.
Drummond
sobre o Natal
Menino,
peço-te a graça
De
não fazer mais poema
De
Natal.
Uns
dois ou três inda passa...
Industrializar
o tema,
Eis
o mal
Agatha
Agatha
Christie está entre minhas primeiras leituras. Tinha lá meus 12 anos, ia à
Biblioteca Romano Reiff, hoje engastada em frente ao campo do Alim Pedro, onde
dava meus lançamentos de 50 metros a la Roberto Rivellino e onde, pela primeira
vez, vi um casal fazendo amor, lá em cima, no morro que circunda o campo, em
meio aos arbustos, lembro que, de repente, o Edu Brites, que estava na
meia-lua, protegendo a defesa, ele espetou o indicador no ar, apontou para o
mato e gritou “olha lá!”.
E
todos paramos o jogo, pois percebemos a urgência do gesto do Edu, era algo
grave, merecia que se interrompesse o joguinho, então paramos e olhamos e vimos
um par de nádegas brancas e redondas que subiam e desciam ritmicamente,
apareciam e desapareciam, apareciam e desapareciam, em sôfrega atividade, algo
muito estranho, eu não sabia o que era, só soube quando os outros, mais
experientes, informaram aos gritos de “eles estão transando!”.
E aí
foi uma emoção, nós urrávamos e aplaudíamos e pulávamos, até que o casal se
recompôs e se foi embora correndo e ajeitando roupas e cabelos, sob nossos
apupos, e o jogo nem sei se prosseguimos, mas ficamos falando naquilo por
muito, muito tempo, a história crescendo a cada dia, tornando-se cada vez mais
importante e foi mesmo importante, o Alim Pedro era importante para nós e para
mim a biblioteca também era importante e hoje ela está bem em frente ao Alim
Pedro e era lá que eu entrava, cumprimentando as professoras, e me sentava num
canto e pegava um livro da Agatha Christie para ler.
Li
todos os livros da Agatha Christie. Obviamente, meu personagem preferido era o
pequeno detetive Hercule Poirot, ele com seu bigode encerado nas pontas e sua
privilegiada massa cinzenta. É um livro dela que sugiro para esse fim de
semana, O Natal de Poirot. Foi lançado em pocket, há pouco, pela L&PM.
Leitura despretensiosa e descompromissada, ideal para os dias quentes do verão.
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