sábado, 22 de dezembro de 2012



23 de dezembro de 2012 | N° 17292
PAULO SANT’ANA

Quem sou eu?

A primeira vez que soube da minha capacidade foi em 1950, quando, depois de ter feito os cinco anos do curso primário, me inscrevi no exame de admissão do Colégio Estadual Júlio de Castilhos, naquele tempo considerado por todos como o “colégio padrão do Estado”.

Fiz o exame junto com 550 meninos de 11 e 12 anos e, no dia em que peguei o bonde para ir lá receber o resultado, espantei-me: entre os quase 600 candidatos, eu consegui o primeiro lugar.

A segunda vez que tive notícia da minha capacidade foi 30 anos depois: fiz o concurso para delegado de polícia, concorrendo com outros 700 bacharéis em Direito.

E, quando fui saber o resultado, exultei: eu tinha sido o primeiro lugar.

Eu só escrevo isso porque, tanto quando eu tinha 11 anos de idade quanto quando tinha 41 anos de idade, nem passava pela minha cabeça que eu tinha conhecimentos suficientes para me tornar primeiro lugar em dois concursos dificílimos.

O que eu quero dizer, em suma, é que nós não nos conhecemos a nós próprios, a menos que nossa capacidade seja cotejada com outras pessoas.

Por sinal, não só no campo do conhecimento, como em vários outros aspectos, é muito difícil conhecermo-nos a nós próprios. Nós temos a mania de julgar os outros, sem nunca pensarmos em julgar a nós mesmos.

Eu nunca, por exemplo, vi ou ouvi alguém dizer: “Eu sou um canalha”. Mas como? Se há tantos canalhas, como nenhum se autorreconhece?A ideia que temos normalmente sobre nós mesmos é de que somos ótimas pessoas, grandes sujeitos, até talvez julguemos que somos melhores do que os outros.

É que a nossa autoestima não permite que nos julguemos inferiores aos outros.Eu ando ultimamente fazendo alguns testes de avaliação sobre os meus méritos e sobre os meus defeitos.

Nesse exercício, também, por exemplo, esses dias descobri que muitas vezes sou invejoso. E várias vezes me considerei egoísta.

Sobre ser megalomaníaco, sabem bem os leitores que sou talvez o maior deles. Não o maior, porque 99% das pessoas são megalomaníacas, mas que sou o único megalomaníaco confesso entre multidões de megalomaníacos, isto já está fartamente comprovado.

Outro defeito que achei em mim nesse autoteste: sou uma pessoa que faz muito menos caridade do que se deveria esperar de uma pessoa bondosa, que sei que sou. Eu tinha de ajudar mais pessoas do que as que porventura eu ajude.

Sobre aquele meu juízo de que às vezes sou invejoso, sempre sinto inveja quando vejo alguém elogiar outro que faz a mesma coisa que eu faço. Fico fulo. Talvez pela minha megalomania, me revolto que tenham reconhecido méritos noutros e não em mim.

Mas esse exercício público que estou fazendo, de reconhecimento dos meus defeitos, faz eu me sentir muito bem.

Poucos têm coragem de confessar suas fraquezas. Modéstia à parte, eu tenho.

É que, sendo megalomaníaco, se eu confessar meus deméritos, ganho autoridade para autoelogiar-me ali adiante.

Mas a ciência de mergulhar dentro de si próprio e reconhecer lá em seu âmago as suas clarezas e as suas escuridões é de muito difícil execução.

“Conhece-te a ti mesmo”, ordenou o grande filósofo.

E, na verdade, quem não conhece a si próprio não terá qualquer pendor para conhecer ou reconhecer os seus semelhantes.

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