12
de dezembro de 2012 | N° 17281
MARTHA
MEDEIROS
A culpa e a vergonha
Algo
que me cansaria é desconfiar de todo mundo – despende uma energia que não tenho
pra gastar à toa. Portanto, costumo confiar. Se não faço mal a ninguém, se não
minto a torto e a direito, se não desejo que os outros se ferrem, qual a razão
de imaginar que agiriam assim comigo? Me parece lógico: nossa abertura ou
retranca social reflete como agimos com quem nos cerca. Se caçoamos, temos medo
de ser caçoados. Se traímos, temos medo de ser traídos. Somos nossa própria
referência.
Logo,
se eu não apronto, não temo que aprontem comigo. O que nem sempre funciona,
claro. Já me aprontaram ao menos duas vezes. Caí num golpe telefônico (um
pedido falso de doação) e outra vez ao vivo, um teatrinho bem feito no meio da
rua. O prejuízo: alguns trocados perdidos, nada demais. Me senti trouxa por 10
minutos e depois a vida seguiu seu curso.
Por
isso, fiquei impressionada pelo fato de a enfermeira que cuidava de Kate
Middleton ter se suicidado. Ora, ela pode ter sido ingênua ao não perceber o
trote dos radialistas australianos, mas não é pecado cair numa armação que, no
caso, não teve consequência nefasta alguma. Ela não entregou segredos de
Estado, não provocou uma guerra entre nações, não colocou a monarquia em risco.
Ela
simplesmente transferiu uma ligação falsa e permitiu, assim, que a duquesa
tivesse seu quadro clínico desvendado – aliás, nada que todos já não soubessem:
enjoos, anemia, coisas típicas de uma gestante nos primeiros meses de gravidez.
A enfermeira, ao não perceber que não era a rainha da Inglaterra do outro lado
da linha, demonstrou apenas sua total ausência de maldade – o que, nos dias
atuais, deveria até ser comemorado.
Mas
vá saber como ela lidava com a culpa.
Pra
quem carrega o mundo nas costas, qualquer errinho vira motivo para autoflagelo.
Essa moça indiana, Jacintha Saldanha, devia ser do tipo que pedia desculpas por
ter nascido. Que tinha um excessivo pudor em relação às suas fraquezas.
Que
se martirizava a cada pequena desatenção de sua parte. Ao ser designada para
tomar conta de uma integrante da família real, viu-se no auge da sua
responsabilidade, e não aguentou a chacota justo quando nada podia falhar. Mas
as coisas falham, à nossa revelia.
Trote,
quando prejudica os outros (caso de quem inventa falsos acidentes para a polícia,
os bombeiros etc.) é uma leviandade que pode se tornar criminosa. Nos casos
menos graves, é uma criancice. Nunca é um exemplo a seguir, mas os radialistas
não me pareceram ter agido de má-fé, eles apenas não dimensionaram o tamanho da
encrenca que viria.
Pessoas
são sensíveis. Pessoas são frágeis. Como essa enfermeira que se penalizou de
uma forma drástica e desproporcional ao fato. Ou, vai ver, sou eu que, vivendo
no Brasil das mil e uma bandalheiras, do Brasil onde todos tiram o corpo fora,
me desacostumei com a existência de um ser humano que ainda se envergonha.
Nenhum comentário:
Postar um comentário