16
de dezembro de 2012 | N° 17285
O
CÓDIGO DAVID
Viver a vida no
JAPÃO
Eu
moraria no Japão. Na China, não. A China é um país duro, de cultura
radicalmente diversa da ocidental. Às vezes é um lugar incompreensível. Imagine
que eles tomam água quente, lá na China. Não chá; água quente. Fazem isso porque,
dizem, é bom para a saúde. Ajuda no funcionamento dos intestinos e talicoisa.
Água quente, francamente. Prefiro Activia.
Eles
bebem água quente e acham estranho que a gente coma queijo. Reclamam que queijo
é salgado, que toda a nossa comida é salgada. Dizem que temos cheiro de queijo.
Cheiro de queijo, francamente.
Já o
Japão é mais arejado. A comida é ótima, mesmo aquela que você não sabe do que
se trata. Os japoneses são educados e bem humorados. Tudo, por lá, funciona,
tudo está certo, tudo está pronto. Mas também é verdade que no Japão eles comem
sorvete de feijão. Comi, quando fui lá. É uma pasta branca com pontinhos
pretos. Um gosto horrível. Sorvete de feijão, francamente.
Poesia
econômica
Os
japoneses precisam tanto de espaço que até a poesia deles é econômica. É o
haicai, que não despende mais de três linhas para descrever o mundo. Os
brasileiros conhecem o haicai graças, principalmente, a Millôr Fernandes, que
escrevia coisas geniais como:
Olha,
Entre
um pingo e outro
A
chuva não molha.
Uma
maravilha, mas o precursor do haicai no Brasil não foi Millôr, foi Guilherme de
Almeida, o “príncipe dos poetas”. Nos anos 30, Guilherme de Almeida se
transformou numa espécie de divulgador da cultura japonesa no lado de baixo do
Equador. Era amigo de diplomatas japoneses, e se entusiasmou com o que aprendeu
com eles. Um de seus entusiasmos foi o haicai. Os haicais de Guilherme de
Almeida eram burilados com todo cuidado, com absoluto respeito à métrica e ao
ritmo do poema. Sorva alguns:
O
PENSAMENTO
O
ar. A folha. A fuga.
No
lago, um círculo vago.
No
rosto, uma ruga.
HORA
DE TER SAUDADE
Houve
aquele tempo...
(E
agora, que a chuva chora,
ouve
aquele tempo!)
CARIDADE
Desfolha-se
a rosa.
Parece
até que floresce
O
chão cor-de-rosa.
HISTÓRIAS
DE ALGUMAS VIDAS
Noite.
Um silvo no ar.
Ninguém
na estação. E o trem
passa
sem parar.
INFÂNCIA
Um
gosto de amora
comida
com sol. A vida
chamava-se
“Agora”.
NÓS
DOIS
Chão
humilde. Então,
riscou-o
a sombra de um voo.
“Sou
céu!” disse o chão.
VELHICE
Uma
folha morta.
Um
galho, no céu grisalho.
Fecho
a minha porta.
CHUVA
DE PRIMAVERA
Vê
como se atraem
nos
fios os pingos frios!
E
juntam-se. E caem.
NOTURNO
Na
cidade, a lua:
a
joia branca que boia
na
lama da rua.
Cordial
vitorioso
Hoje,
no Japão longínquo, onde Grêmio e Inter foram campeões do mundo, o Corinthians
tentará a mesma façanha, contra o Chelsea. Estou torcendo pelo Corinthians. Não
por ser um time brasileiro; por causa do Tite. Não por ele ser gaúcho; por
causa do seu caráter. Tite é um homem gentil e educado, como raros são no
futebol. Merece o sucesso. A vitória de um homem cordato é a vitória da
cordialidade.
Pouco
espaço, muito respeito
O
Japão é de fato um país agradável, embora tenha suas excentricidades. Os
hotéis-casulo, por exemplo. Deitei-me numa daquelas câmaras, uma vez. Parece-se
muito com ser emparedado em um cemitério, mas se há algo que os japoneses não
sentem é claustrofobia.
Existe
muito japonês para pouco Japão. Você sabe, o Japão é um arquipélago. Ou seja:
formado por várias ilhas. A maioria é pedregosa e inabitável. Então, os espaços
são valiosos, os japoneses aproveitam o máximo de cada palmo de chão. Nos
prédios residenciais, os carros são empilhados uns sobre os outros em
estacionamentos com elevadores, e os aposentos de grande parte das casas são
minúsculos, mal cabendo dois japoneses juntos.
O
que os japoneses fazem para resolver o problema da falta de privacidade?
Respeitam-se. Japoneses falam baixo, são discretos e não se tocam. Um japonês
não abraça, nem dá beijinhos quando cumprimenta. Um japonês não grita ao
celular. Um japonês não fica olhando para outros japoneses. Nem para os
ocidentais ele olha.
Bom
lugar, o Japão.
Xógum
No
início da II Guerra Mundial, o soldado inglês James Clavell foi enviado pelos
Aliados para lutar na Malásia, e se deu mal: os japoneses o capturaram. Clavell
foi mantido num campo de concentração até o fim do conflito, o que seria uma
desgraça, se não fosse sua boa fortuna. Nesse tempo de prisão, Clavell conheceu
a cultura japonesa, encantou-se com o que aprendeu e mudou sua vida. Depois de
libertado, desligou-se do Exército e passou a escrever romances ambientados no
Japão. Tornou-se um sucesso mundial.
O
melhor de seus livros é Xógum – A gloriosa saga do Japão. A trama se desenrola
com muita fluidez no tempo dos samurais. É um volume alentado, mais de 800
páginas com letras miúdas, mas de leitura fácil. Xógum foi adaptado para se
transformar numa ótima minissérie americana e vendeu milhões de cópias. Leia
esse romance, e você vai entender como funciona a mente dos bravos japoneses.
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