24/12/2012
e 25/12/2012 | N° 17293
CLÁUDIO
MORENO
Borges (2)
Como
não poderia deixar de ser, o espantoso livro de Bioy Casares sobre Borges (são
1600 páginas corridas!), que registra a conversação que os dois parceiros
mantiveram ao longo de quarenta anos, está repleto de observações sobre as
mulheres que ambos conheceram.
De
um lado, há um grupo especialíssimo, formado por aquelas a quem amou ou julgou
amar; sobre elas, Borges abre seu coração ao amigo e expõe suas dúvidas mais
íntimas, suas esperanças e suas frustrações. Do outro – e este é o nosso
assunto –, há uma galeria de extravagantes personagens femininas (algumas,
suponho, inventadas), donas de uma lógica genial e desconcertante.
Embora
seja evidente o olhar misógino que Borges lança sobre elas, não consegue
esconder, no entanto, o fascínio que sente por esta maneira de “pensar ao
contrário”. Uma delas, por exemplo, namorada da juventude - agora muito velha -
queixava-se de ter que abandonar seu clube de carteado:
“Passei
a vida jogando bridge e canastra, mas não jogo mais; introduziram mudanças
secretas nas regras, e eu não compreendo mais nada”. A mesma senhora
contou-lhe, com um risinho de superioridade, que finalmente tinha lido o Dom
Quixote inteirinho, “mas o verdadeiro, não esse que todos leem!”.
A
mais famosa de todas foi Beatriz Bibiloni de Bullrich, apresentada como uma
dama da alta sociedade de Buenos Aires; são tantas as anedotas que Borges lhe
atribui que parece impossível ter existido. Era essa que costumava dizer, com
indiscutível candura: “Eu sou tão inteligente, tão genial, que não conseguem me
entender, como você sabe”. Borges conta que, certa vez, levou-a para ver o balê
moderno de Cecília Ingenieros.
Depois
do espetáculo, quando lhe perguntou o que tinha achado, ela foi sincera:
“Estava muito bonito, mas eu prefiro o outro tipo de baile, que tem orquestra e
pessoas conhecidas que tiram a gente para dançar”. Doutra feita, a madame
recebia alguns amigos quando anunciaram que na praça fronteira à sua casa
haveria uma queima de fogos. Ela conta: “Saímos para vê-los.
De
repente, vimos uma bola de fogo vindo em nossa direção; todos fugiram, mas eu,
com meu psiquismo, comprendi que nada ia me acontecer. Depois, tive de passar
na farmácia, pois fiquei com as pernas cheias de queimaduras”. Conclui Borges:
“Ela é invulnerável à realidade”.
A
meu ver, porém, a taça fica com outra amiga, que se autointitulava escritora.
Ao cumprimentar Borges por ter conquistado um importante prêmio literário,
disparou: “Nota que eu facilitei a tua vitória, ao não me inscrever; por isso,
espero que retribuas o favor, quando fizeres parte do júri, no ano que vem”.
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