segunda-feira, 31 de dezembro de 2012



31/12/2012 e 01/01/2013 | N° 17299
LUÍS AUGUSTO FISCHER

Eu, uma forma do nada

Pensei em oferecer ao leitor passante um poema, nesta virada de ano. Uma peça dessas que a gente toca e, levada a sério, muda o dia e pode mudar a vida. Enquanto não sai o novo e excelente livro do Celso Gutfreind, que eu tenho o privilégio de conhecer antes de sair ao mundo e por certo encantar, enquanto ainda estamos celebrando os prêmios do Guto Leite poeta (prêmio Açorianos para inéditos) e do Paulo Scott romancista (prêmio Biblioteca Nacional), sugiro um soneto do Paulo Henriques Britto em seu Formas do Nada (Cia. das Letras, 2012), um dos grandes livros do ano que finda.

O livro todo, como já insinuado no título, é tecido de negatividade. Troço para quem tem estômago forte. O autor é tradutor do inglês, professor deste tema e poeta, em tudo reconhecido como um dos melhores. E neste livro parece que resolveu deixar escoar um tanto de descrédito nas possibilidades de ser feliz – mas isso dito em poemas de alto coturno, coisa para ler e reler, coisa para guardar em todos os sentidos desta engenhosa palavra, guardar.

Soneto VIII da série Biographia Literária (nome que antes serviu de título de um famoso livro de memórias e ensaios de Samuel Taylor Coleridge, poeta inglês):

Já se aproxima aquele tempo duro

de se colher o que ninguém plantou.

Sim, a coisa deu nisso. Eis o futuro,

exatamente o que se esperava. Ou

o exato oposto. Tudo faz sentido,

ainda que não, talvez, um que se entenda,

um que possa sequer ser entendido

nos termos de um passado agora lenda.

Sim. E no entanto essa lenda, essa fábula

sem moral nenhuma, é você. Embora

só um esforço de desmemória, tabula

rasa de si, leve ao que se perdeu,

revele o que resta. Vamos, é agora

ou nunca. Repita comigo: “Eu”.

Eu, uma forma do nada. Mas é o que temos. Bom ano para quem merece.

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