quinta-feira, 20 de dezembro de 2012



20 de dezembro de 2012 | N° 17289
PAULO SANT’ANA

A medida da felicidade

Causou sensação a coluna de ontem sobre a felicidade. Todos que me encontraram ontem no Hospital Moinhos de Vento me falavam sobre ela.

E um psiquiatra me contou uma história fenomenal: sempre que um paciente fica se queixando da vida para ele, dizendo-lhe que tudo está dando errado, então o psiquiatra entrega para o paciente dois caderninhos.

E pede a ele que leve para casa e carregue sempre consigo os dois caderninhos. O psiquiatra então aconselha o paciente a anotar num dos dois caderninhos, durante vários dias, tudo o que de ruim lhe acontecer. E anotar no outro caderninho tudo de bom que lhe acontecer.

Para surpresa dos inúmeros pacientes do nosso psiquiatra, quando eles voltam ao consultório, dizem ao terapeuta: “Estranho, doutor, anotei muito mais coisas boas que me ocorrem do que as coisas ruins! O que quer dizer isso, doutor?”.

E o doutor responde a todos os seus pacientes: “É que nós temos, às vezes, o vezo de só assinalar as coisas ruins que nos acontecem. Deixamos de lado as coisas boas, que são meio que imperceptíveis para nós. Pois a felicidade deve passar por esse encontro de contas. O homem vive na Terra para suportar coisas ruins e usufruir das coisas boas. Temos de contabilizar os nossos prazeres e as nossas amarguras. Em última análise, pode considerar-se feliz a pessoa que tem na vida mais deleites que sofrimentos. Os meus clientes só viram que eram felizes depois que lhes dei os caderninhos para anotações”.

Magistral estratagema do psiquiatra que falou comigo ontem. Ele diz que nos passam despercebidos certos prazeres que desfrutamos todos os dias, como comer um bacalhau à Gomes de Sá, receber um beijo do pai ou do filho, ir ao banheiro e fazer pipi, sentindo-se aliviado, pagar uma conta que causava grande preocupação, fazer um carinho no cão de estimação, receber uma declaração de amor de uma mulher ou de profunda afeição de um amigo, enfim, essas coisas tantas agradáveis que nos sucedem.

Mas, para se tornar uma pessoa humana completa, é-se obrigado a anotar no caderninho de coisas ruins as angústias e as incomodações de que somos alvos quase todos os dias: ser repreendido pelo chefe, ser agressiva e concretamente invejado por um colega, sofrer um acidente, cair doente, não ganhar na Mega Sena e ficar sabendo que outro ganhou, ver nosso time perder, saber que o preço da gasolina vai aumentar em janeiro como ontem se anunciou.

Este balanço anotado entre as grandes e pequenas adversidades e as pequenas e grandes venturas vai ser muito influente para que nos consideremos felizes ou não.

Como sempre eu digo, a banca paga e recebe. Existe a noite e o dia, o ângulo obtuso e o ângulo reto, o amor, a paz, o ódio e a carnificina, o carpinteiro que fabrica as mesas dos banquetes festivos faz também os caixões dos cemitérios, tem a palma e o dorso da mão, o orgasmo e a dor.

O segredo é só torcer – e trabalhar – para que o caderninho das coisas boas tenha mais anotações que o caderninho das coisas ruins.

E também torcer para que, se possível, a vida nos reserve mais prazeres intensos do que sofrimentos do mesmo nível.

O método dos caderninhos é um excelente parâmetro de avaliação da nossa felicidade.

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