14
de dezembro de 2012 | N° 17283
ARTIGOS
- Patrícia Rech de Oliveira*
Construindo
pontes
Sempre
recordo uma frase que dizia aos meus alunos durante nossas aulas de língua
portuguesa (e por que não dizer também de cidadania), nos constantes esforços
para educá-los em relação ao uso de termos politicamente corretos: “Existem
maneiras e maneiras de se dizer a mesma coisa; o que muda é tão somente a forma
como nos manifestamos”.
Dessa
forma, uma expressão grosseira como um “Cale a boca” tem o mesmo objetivo que
um “Por favor, faça silêncio”. O que se modifica, porém, é a intenção e
cortesia (ou falta dela) na comunicação: a abordagem em si pode causar um
efeito transformador ou devastador, sobretudo se levarmos em consideração as
funções da linguagem: referente (assunto), mensagem (a conversa), emissor (quem
fala), receptor (quem ouve), código (linguagem, ou seja, a própria língua
portuguesa em si) e canal (o meio, o contexto).
Sem
esquecer, é claro, do fato cultural, pois todo ser humano acumula conhecimento
porque criou e emprega a linguagem, dentro de um contexto social no qual o
sujeito esteja inserido, uma vez que a linguagem humana está sempre em processo
contínuo de evolução e, por essa razão, em constante mudança.
Segundo
Faraco & Moura (in Língua e Literatura – 4º volume), entende-se por cultura
“todo fazer humano que pode ser transmitido de geração a geração, através da
linguagem. A cultura é a soma de todas as realizações do homem”. Nessa
perspectiva, há de se considerar que a problemática da falha de comunicação não
está propriamente contida na forma como nos manifestamos, mas, sim, na forma
como os outros recebem aquilo que é dito.
Existe
um adágio popular que diz que somos responsáveis por aquilo que falamos e não
por aquilo que os outros entendem. Nesse contexto, venho refletindo há algum
tempo sobre levantar muros (vivermos isolados em defesa daquilo em que
acreditamos e defendemos com veemência) e construir pontes (mediar nosso
conhecimento e aceitarmos a visão do próximo em busca do equilíbrio de ideias e
da boa convivência em grupo).
Essa
inquietação de professora (ou educadora, se o termo for mais apropriado e
socialmente aceito) irrompeu de maneira tal, que ultrapassou a barreira do
pensamento íntimo, ao acompanhar a recente “gafe” cometida pela presidente
Dilma Rousseff, durante seu pronunciamento na 3ª Conferência Nacional dos
Direitos da Pessoa com Deficiência.
O
equívoco na troca do termo “pessoa” por “portadora” desencadeou uma reação de
protesto por parte do público, só desfeita por uma autocorreção em tempo,
seguida de aplausos após o reconhecimento do erro pela própria presidente.
Certamente, Dilma não teve intenção de ofender ninguém, até porque essas
expressões vêm sofrendo modificações ao longo do tempo que mesmos os eruditos
obedientes à norma culta podem se confundir.
O
atual contexto social denota uma era de avanços tecnológicos cada vez mais
amiúde, fora do alcance das camadas populares, bem como da recente reforma
ortográfica e da linguagem internauta. Há uma linha tênue que separa o
conhecimento empírico daquele que é oriundo de teorias e conceitos universais
(muitos deles já caracterizados como obsoletos), e a ruptura desses paradigmas
que nos fazem temer o emprego inadequado de expressões que possam ser
interpretadas como discriminatórias ainda é um processo em construção para a
maioria das pessoas.
Talvez
a palavra em si não seja o essencial. Talvez os gestos, as atitudes, a empatia
e a certeza de que todos somos iguais nas diferenças é que seja o verdadeiro
canal de comunicação... A forma como nos tratamos mútua e reciprocamente é que
definirá se realmente vivemos em um contexto que exclui e aprisiona ao levantar
muros ou nos aproxima e liberta ao construir pontes.
*PROFESSORA
DE LÍNGUA PORTUGUESA
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