RUTH
DE AQUINO
A quadrilha no seio do Poder
O
que é uma “quadrilha”? Pelo Código Penal brasileiro, são necessárias mais de três
pessoas para formar uma quadrilha. É quase um sinônimo de gangue. Se quatro ou
mais pessoas conspirarem para cometer algum delito, podemos dizer, sem medo de
errar, que elas formam uma quadrilha. Segundo a Interpol, quadrilhas costumam
ter um chefão e um mentor. Às vezes são a mesma pessoa, às vezes não.
Com
o julgamento do mensalão pelo STF e o novo escândalo da Operação Porto Seguro,
os brasileiros aprenderam que “quadrilha” não é um termo aplicado apenas a
traficantes ou bandidos comuns que não terminaram o ensino fundamental. Há quadrilhas
no Congresso e há quadrilhas no Poder Executivo. Muitos de seus integrantes têm
diploma de ensino superior – embora alguns sejam falsos, como o do ex-marido de
Rosemary Noronha.
Mas
falsificar um diploma universitário para conseguir um cargo na seguradora do
Banco do Brasil é um detalhe, não? Afinal, quem pedia e pressionava por
irregularidades mil era uma mulher viajada, santa protetora dos Irmãos
Metralheira. Rose era a secretária íntima e de total confiança de JD e do PR. Telefonou
para um e para o outro logo que recebeu a visita de policiais.
Por
isso, e só por isso, Rose mereceu a defesa veemente do ministro da Justiça, José
Eduardo Cardozo. Ele explicou por que o sigilo telefônico dela não foi quebrado:
“Não há quadrilha no seio da Presidência da República (...). Rosemary Noronha
foi cooptada no esquema e não é integrante da quadrilha”. Ninguém dará a ela o
direito de depor e se defender da fama injusta de quadrilheira. Rose foi “cooptada”?
Então tá!
Uma
quadrilha não precisa operar com armas de fogo para ser chamada assim. No
Artigo 288 do Código Penal, que define o crime, o parágrafo único determina que
a pena de reclusão seja em dobro, “se a quadrilha ou bando for armado”. A pena
também deveria ser dobrada para as quadrilhas que tiram proveito de cargos públicos
para assaltar a população.
O
valor que o governo dá em bolsas isso ou aquilo é ínfimo se compararmos ao ralo
da corrupção e das propinas de bandidos infiltrados nos Poderes. Enxugaremos
gelo até a Polícia Federal identificar todas as quadrilhas sanguessugas que
impedem o país de avançar em seu IDH, o Índice de Desenvolvimento Humano. Por
que eles resistem tanto a ser chamados “quadrilheiros”?
Extraindo
do coração do Poder os focos de gangues, sobrará dinheiro para o que
interessa
Somos
a sexta economia do mundo, mas precisamos desesperadamente de obras de
infraestrutura, saneamento nas favelas com esgoto a céu aberto, moradias
populares, uma rede de trens e de metrôs, educação com qualidade, creches para
as mães trabalhadoras, um sistema que não abandone seus velhos e hospitais que
não desrespeitem seus pacientes. Para onde vão nossos impostos de Primeiro
Mundo?
Na
Zona Portuária do Rio de Janeiro, mais de 1.000 pessoas de idades e graus diversos
de dor se enfileiraram na rua a 34 graus de calor, em busca de atendimento em 2013
no Instituto Nacional de Traumatologia e Ortopedia (Into), inaugurado por Dilma
no ano passado. O Into é um espetáculo. Mas o que você e eu vimos pela TV me
pareceu próximo de tortura.
E
acontece cotidianamente em unidades públicas no Brasil. Podem prometer marcação
de consultas por telefone ou por computador, mas deve ser para tirar da televisão
as filas. Fiquei descansada quando o ministro da Saúde, Alexandre Padilha,
anunciou que haverá cirurgias aos sábados e o número de atendentes do call
center do Into aumentará de 14 para 50... Então tá!
Quem
rouba dinheiro de famílias desabrigadas por tempestades – como vem acontecendo
nas cidades serranas do Rio – deveria estar numa dessas cadeias classificadas
de medievais por nosso ministro Cardozo. Temos quadrilhas de ladrões bem-apessoados
na serra, com endereços conhecidos. Mais um dezembro de crianças e velhos
empoleirados em áreas de risco em Teresópolis e Friburgo, rezando a Deus para não
ser levados pelas águas... Então tá!
Temos
também quadrilhas nas polícias. O Rio prendeu e deu os nomes de 63 policiais
militares que achacavam traficantes. Como diz o secretário de Segurança do Rio,
José Mariano Beltrame, bandido de farda é bandido ao quadrado. Aguardo exemplos
concretos de fim de corporativismo policial em São Paulo.
Após
meses de execuções diárias, atentados e guerra entre policiais e bandidos, com
centenas de mortes, o novo secretário de Segurança de São Paulo, Fernando
Grella Vieira, “cria gabinete para combater crise” e admite que o PCC “é uma
das facções criminosas” a enfrentar... Então tá!
Nesse
cenário de carências inadmissíveis e próprias de Terceiro Mundo, quem entra
para o serviço público ou é eleito prefeito, governador, deputado, senador e
presidente tem dupla responsabilidade. Extraindo do seio, do coração e da cabeça
do Poder os focos de gangues, sobrará dinheiro para o que interessa.
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