ANTONIO PRATA
KKK!
Quando rimos de nossas fraquezas, admitimos defeitos que
seríamos incapazes de encarar
ONTEM ASSISTI ao documentário "O Riso dos Outros"
(migre.me/cdrYR), de Pedro Arantes, para o qual dei um depoimento. Se o
menciono aqui não é para puxar brasa para a minha sardinha (até porque a
televisão não é brasa mais propícia à minha desengonçada sardinha), mas pela
qualidade do filme e por seu tema, tão pertinente: as intrincadas relações
entre humor, liberdade e preconceito.
O documentário mostra desde defensores de minorias até
comediantes abertamente racistas. Após ouvir alguns do segundo time, me
convenci de que o grande problema do "politicamente correto" não é a
suposta ameaça à liberdade de expressão, mas o fato de que aqueles que até
ontem eram tidos apenas como grosseiros ou ignorantes agora ostentarem o
"label cool" de "politicamente incorretos".
O humor é um brinquedo ambíguo. Quando rimos de nossas
fraquezas, admitimos defeitos que, sem essa bem-vinda anestesia, seríamos
incapazes de encarar. Desarmando-nos, o riso nos irmana com o próximo -afinal,
somos todos companheiros nesta barca furada.
Rir do mais fraco é o contrário. Nesse caso, o riso serve
para camuflar nossas fraquezas, apontando-as (ou inventando-as) nos outros. É
como dizer: sou tão inseguro da minha masculinidade que ataco as mulheres e os
gays. Temo tanto meus defeitos que crio monstros feitos só deles: os negros, os
nordestinos, os árabes, os judeus etc.
Não é que haja assuntos proibidos para o humor: pode-se
fazer piada com religião, cor, gênero. A questão, como diz Hugo Possolo no
filme, é de que lado da piada você se coloca.
Woody Allen, num stand up do início da carreira, dizia que a
vida de seus avós na Polônia era tão horrorosa que, quando Hitler invadiu o
país, eles pensaram: "Bom, quem sabe agora as coisas não vão melhorar um
pouquinho?". Woody Allen estava rindo do sofrimento? Sim, mas não dos
sofredores. A tirada aponta para os opressores, os antissemitas.
Exemplo análogo é um esquete do Porta dos Fundos
(migre.me/c7m1U) sobre a primeira reunião da Ku Klux Klan. O organizador (Fábio
Porchat) descobre, logo no início, que todos os presentes embaixo das batas e
dos chapéus são negros. Reclama com seu assistente (Gregório Duvivier), que
afirma ter chamado o pessoal que trabalha em sua casa. Apavorado, Porchat diz
que a reunião na verdade é para formar uma banda de blues e puxa um coro de
"Oh, Happy Day", sem nenhum sucesso.
O esquete (muito mais engraçado do que essa esquemática
descrição) tira sarro dos negros? Não, ri dos organizadores da KKK, a quem
pinta como dois playboys sem noção, ri do preconceito racial, das desigualdades
sociais que ele cria e de seus estereótipos.
Às vezes, vendo os arautos da ignorância se arvorando a
paladinos da liberdade, fico pessimista. Mas ao assistir aos vídeos de novos
humoristas como Fábio Porchat, Gregório Duvivier, Marcelo Adnet e ao ouvir, no
documentário, os depoimentos de Laerte, Hugo Possolo, Marianna Armellini,
Arnaldo Branco, Fernando Caruso, André Dahmer, Lola Aronovich e Jean Wyllys, me
volta a esperança: ao que parece, tem muita gente talentosa que acha mais legal
esculhambar o racista embaixo do lençol do que o enforcado balançando na
árvore.
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